Habitação low-cost ou pôr a arquitetura a pensar

Coletivo holandês conquistou prémio de arquitetura da União Europeia com reabilitação de bloco de apartamentos dos anos 1960 ameaçado de demolição. Criaram um conceito de arquitetura a custos reduzidos em que os habitantes adequam as casas às suas necessidades e orçamento.
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Pela primeira vez na história do Prémio Mies van der Rohe, a distinção vai para a reabilitação de um edifício. Trata-se do bloco de apartamentos de Kleiburg, em Amesterdão, Holanda, um complexo dos anos 1960 que tinha como destino a implosão. A sociedade civil mobilizou-se e, com a autarquia, acabou por travar a destruição do edifício. A intervenção do coletivo de arquitetos holandês centrou-se nos espaços públicos, deixando as habitações para serem acabadas à medida dos seus moradores: casas faça-você-mesmo, disponibilizadas a preços baixos (1200 euros o metro quadrado).

O DeFlat Kleiburg "desafia as atuais soluções para a crise da habitação nas cidades europeias onde muito frequentemente a única ambição é construir mais casas, enquanto a questão mais profunda sobre que tipo de habitação deve ser feita continua por responder. Kleiburg ajuda-nos a pensar num novo tipo de projeto de arquitetura, que responde à mudança de padrões da habitação e estilos de vida do século XXI", referiu ontem o júri do Prémio Mies van der Rohe no anúncio dos premiados.

São quatro os arquitetos que assinam o projeto do DeFlat Kleiburg: Walter van Dijk, Pieter Bannenberg, Kamiel Klaasse e Xander Windsant, dos ateliês NL Architects e XVW Architectur. Trabalharam um programa em que intervieram nas zonas públicas do edifício, alterando a localização dos elevadores exteriores, as passagens no piso térreo e toda a zona de circulação, deixando o acabamento dos apartamentos para os seus habitantes. Mais: desenvolveram uma tipologia que permite aos compradores escolher quantos metros quadrados querem comprar e se os apartamentos se desenvolvem na horizontal ou na vertical. Com esta opção de modularidade, ofereceram habitação a custos acessíveis e a possibilidade de os moradores adaptarem a casa aos seus usos reais e ao seu gosto.

"O conceito do Kleiburg é de que a reabilitação das casas vai ser feito pelas pessoas que as vão habitar, são casas faça-você-mesmo", diz Xander Windsant, um dos arquitetos da equipa projetista premiada. "O projeto inspira-se numa reflexão sobre a nova e complexa realidade da habitação contemporânea. Propõe novas formas de "habitação acessível" (...) Trata-se de um espaço low-cost habitável (1200 euros por metro quadrado), uma fantástica nova opção que atualmente não existe", acentua o júri.

Em 2005, o ateliê NL Architects, um dos vencedores, recebeu o prémio destinado aos arquitetos emergentes. Neste ano o reconhecimento vai para o ateliê belga MSA/V+ com um projeto de habitação social, Navez, junto à entrada de Bruxelas.

O projeto DeFlat Kleiburg foi escolhido pelo júri entre cinco finalistas, selecionados de uma lista inicial de 355 de 36 países europeus. Vai receber o Prémio de Arquitetura da União Europeia Mies van der Rohe a 26 de maio em Barcelona. O arquiteto português Gonçalo Byrne foi um dos sete elementos do júri. Conta que a decisão foi difícil e que houve um "debate profundo" sobre as questões contemporâneas da arquitetura, como a sustentabilidade. Os jurados visitaram os cinco projetos finalistas nas últimas semanas antes de chegar um veredicto, com "um consenso alargado". Byrne sublinha a importância da reabilitação em detrimento do novo: "É um trabalho notável de reabilitação, não só do edifício como a sua relação com o parque, e a tipologia das casas que pode ser adaptada consoante as necessidades." O Kleiburg está já parcialmente habitado e alguns habitantes são imigrantes - outra questão que domina a arquitetura atual.

"Muito curioso é que o modelo de reabilitação encontrado parte de um raciocínio de arquitetura", sublinha. "É uma solução que do ponto de vista arquitetónico é excelente, do ponto de vista financeiro é excelente", acentua o arquiteto. Acre- dita que este prémio ampliará a discussão em torno dos atuais desafios das cidades e que o projeto DeFlat Kleiburg "tem matéria de reflexão para os promotores públicos, os promotores privados e o gestor da cidade, que muitas vezes embarca com muita ligeireza em demolir um edifício antigo para fazer um novo".

Também Nuno Sampaio, diretor da futura Casa da Arquitetura, em Matosinhos, salienta a mensagem deste prémio, numa altura em que Portugal discute a possibilidade de os engenheiros assinarem projetos de arquitetura. "Quando temos os engenheiros a querer fazer arquitetura, vemos os holandeses que tiveram a consciência do valor da arquitetura", sublinha.

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