Este não é o 'gajo da banana', é Janeiro a lançar o primeiro disco
Janeiro era um nome quase desconhecido quando Salvador Sobral o chamou para compor para o Festival da Canção. Sobressaiu com a sua canção (Sem Título), uma das 15 escolhidas para o primeiro álbum.
"Chama-se Fragmentos por ser um trabalho fragmentado, de procura. Procura do que eu sou, enquanto músico e depois porque são os fragmentos da minha vida. Cada canção representa um bocado o que vivi com uma pessoa ou uma opinião sobre alguma coisa. O fio de coesão é a canção portuguesa mas em termos de género não tem. Tanto estás a ouvir um blues como a seguir estás a ouvir um beat eletrónico", refere em entrevista ao DN. "É uma forma minha de coesão, nesta minha breve passagem por aqui", ri--se o músico, de 23 anos.
Resume assim o disco: "Peguei em canções que tinha, escolhi as mais fortes ou que acho que são melhores", reflete. É uma coleção, não uma viagem. "Estou à espera desse momento em que as pessoas ouvem e dizem: olha, é o Janeiro."
Sentado num estúdio de gravação da Ruela Music, a sua agência de management, Janeiro conta que tudo - a música - começou com um... violino. Um presente do pai. "Esta é a história que costumo contar porque é mais fidedigna. Eu digo que não quero nada tocar violino e ele troca por uma guitarra." É em Coimbra, onde vive, que tem as primeiras aulas. Forma uma banda e começa a escrever melodias, "de forma supernatural e orgânica". Depois, "a banda não queria o mesmo que eu. Havia ali um sonho que não era coletivo". Aproximava-se o momento de entrar na faculdade.
Janeiro diz que pensava continuar a tocar. E, como quem pensa alto, diz: "Não. Não, vou ser gestor, o meu pai também é gestor, vou fazer dinheiro e vou viver." A mãe entra em cena: "Se tu queres fazer música porque não vais estudar música?" Tinha 17 anos. "Que, já agora, aproveito para dizer, é uma idade superparva para a pessoa escolher o que vai ser, uma pessoa ainda nem fez amor, ainda nem conheceu ninguém, ainda nem sabe o que são materiais."
Nesse último ano de aulas, Janeiro começou a estudar jazz para entrar na Escola Superior de Música. "Só que não entro, fico em quarto, só entram os três primeiros." Descobre o curso de Musicologia na FCSH e ao mesmo tempo vai estudar guitarra jazz no Hot Clube, já em Lisboa. "E quando saio do Hot Clube faço um álbum."
Nesse primeiro EP, após um ano de trabalho, António Avelar Pinho recomenda-lhe que fale com o locutor da Antena 3 Henrique Amaro que, por sua vez, depois de ouvir uma canção lhe recomenda Benjamin como produtor. A canção era Desencanto. "Às vezes dizes tanta merda...", trauteia. Também está em Fragmentos.
O gajo da banana
Canção para Ti, o single, já existia quando Salvador Sobral convida Janeiro para participar no Festival da Canção. "É uma experiência muito mais positiva do que negativa, porque conheces a indústria toda e toda aquela parte do espetáculo", descreve, salientando o facto de o músico brasileiro Marcelo Camelo ter elogiado a canção (sem título), um título chamativo, influenciado pelo Untitled Unmastered de Kendrick Lamar. "Já está tudo tão inventado, o nosso papel é desconstruir as coisas e as normas e como as coisas chegam ao público."
Depois do festival, Janeiro realiza o vídeo desta canção. "Numa tentativa de me humanizar, porque o Festival desumaniza-te um bocadinho. Precisava de juntar as pessoas e que olhassem para mim como músico e não como um gajo que comeu uma banana no festival." Recua a esse momento: "O que aconteceu é que estava a criar uma personagem em direto e muito poucas pessoas perceberam. A ideia era retirar importância àquilo."
Há três meses, na ressaca do festival perguntavam-lhe se era capaz de incluir essa canção num álbum. "Tanto era que está aqui." Ao lado de composições com quatro anos e outra nascida durante o próprio concurso - Contas no Estrangeiro, que "entrou no disco há um mês".
Numa salinha pequenina
Fragmentos, que ontem foi lançado oficialmente, e apresentado num showcase na Pensão Amor, em Lisboa, foi produzido por Janeiro, aliás, Henrique Janeiro, e Kid, aliás, João Gomes.
"Começou tudo numa salinha, a escolher canções, porque tenho muitas mais, tenho umas 40 e tal canções", conta. Depois, uma pergunta: "Que conjunto de canções podem falar de ti agora?" Ao todo, passaram cerca de dois anos desde que tudo começou, exatamente como Janeiro pretendia.
"Sou muito exigente comigo próprio e achei que ia ser importante ter lá tudo exatamente como queria. Desde a capa ao booklet, até a uma canção. Acho que era importante ser uma coisa demorada e depois sair uma coisa com que esteja orgulhoso. Foi um trabalho solitário, quase depressivo, às vezes. Fechei-me muito, a pessoa perde distanciamento da própria obra, esqueces-te do que é tocar. Estava só a pensar: naqueles quatro minutos o que vou pôr? Agora que me afastei e finalmente o lancei é que estou a voltar a ganhar uma normalidade de vida. Tocar na boa."
O próximo há de demorar mais, espera. Cinco anos, atira. "Que a minha carreira seja longa o suficiente para dizer que paro cinco anos para fazer um álbum ou que vou parar e ganhar distanciamento, porque estou perdido e não sei o que fazer. Por acaso, já dei por mim a dizer: o que vem a seguir?"