"Quando há problemas, digo: vais morrer, só não sabes quando. Queres mesmo desperdiçar energias nisso?"

A escritora e jornalista Patrícia Reis e acaba de publicar A<em> Construção do Vazio, </em>um livro duro que fala de abusos na família, "em todas as vertentes". Fala também de identidade, amizade, amor, desapego, catástrofe.
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Aparece, como sempre, com um sorriso que deixa para trás as complicações. "Cheguei bem a esta fase da vida". Criou em 2000 a Egoísta, de que é editora. Aos 46 anos, voltou à escola para fazer um mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona.

O que é isso de voltar à escola?

Voltar à escola significa várias coisas. Primeiro, significa que os meus filhos estão crescidos. Significa que de repente tenho um tempo que é só meu e isso é muito bom. Os miúdos são maravilhosos, foi muito bom educá-los, mas é maravilhoso voltar à escola igualmente. Porque aprendo muito. Neste mestrado das Ciências das Religiões na Lusófona tenho professores extraordinários. Tenho uma professora que dá Socio-Antropologia do Islão com quem toda a gente devia cruzar-se porque é uma alegria de mulher. Aprendem-se coisas diferentes sobre as diferentes religiões, portanto sobre a sociedade e isso sempre foi algo que me interessou. Gosto muito de História e de Filosofia, sempre gostei. Mas o mestrado não serve para nada.

Não serve para nada como?

Serve para mim, é uma coisa só minha. É duro porque são três noites por semana, o que é possível porque tenho um marido maravilhoso que me diz "vai". Faz-me muito bem à cabeça, é bom para a auto estima, é bom aprender, é bom poder dizer "eu agora vou para a escola". Estou muito feliz. Achei que não ia durar lá nem uma semana.

Achava que não ia aguentar, ia fartar-se de ter coleguinhas mais novinhos?

Não tenho coleguinhas mais novinhos, é uma turma de crescidos, o que faz uma grande diferença. Achei que não ia ter paciência. Tinha uma ideia da academia de gente que se acha toda muito séria. Mas as pessoas são de um humanismo e de uma capacidade de partilha tremendas. É uma surpresa. Tenho professores do além, para citar uma disciplina do esoterismo ocidental.

Do além em ciências da religião?

Que não é o Paulo Coelho nem a pata do coelho, nada disso. É o Hermes Trimegistus, e depois de se descobrir o Hermes Trimegistus o mundo muda na nossa cabeça.

Vamos falar sobre A Construção do Vazio, que tem muito que se lhe diga. É um livro que parece uma coisa pequenina, levezinha e depois são vários murros no estômago. Fala de temas atuais e muito duros.

Foi muito difícil, chorei muito a escrever.

Chora-se a escrever?

Habitualmente não, mas neste caso sim.

E porquê?

Porque eu queria muito pegar na Sofia.

A Sofia é a protagonista.

É uma personagem que vem de um livro anterior, embora este livro possa ser lido por si só. Há um universo de personagens que espero que termine aqui, porque foi duro viver com esta gente nestes anos todos. São muitos anos e a Sofia ficou ali num limbo. A Sofia vinha de Por este Mundo Acima, tal como os três amigos dela, o Eduardo, o Jaime e o Lourenço. Escrevi um livro em 2008 chamado No Silêncio de Deus, onde o personagem principal é um escritor com imenso mau feitio por quem me apaixonei. É um velho a morrer de cancro com um desprezo total pela humanidade, que na verdade depois não se verifica. Eu queria matá-lo, queria que no fim ele acabasse.

Mas ele não morre no fim.

Ele não deixou. Este Manuel Guerra viveu comigo muito tempo. Levei muito tempo a escrever o livro e ele viveu comigo muito tempo. E continuou. O livro foi publicado e ele continuou comigo.

Continuou como?

Há quem tenha a mão de Deus, eu não tenho a mão de Deus, eles vivem comigo, vêm todos para casa comigo, estou num restaurante e sou capaz de olhar e dizer - "o Manuel Guerra vestia aquela gabardina". Ou estar a ler um livro e dizer - "a Sofia ia achar isto interessante". É assim que os construo.

Isso acontece antes de escrever ou eles vão aparecendo?

Eles vão aparecendo. Sou uma colecionadora, porque não tenho muito tempo para escrever. Tenho de roubar tempo à vida para escrever, não sou uma escritora profissional e ainda bem, porque preciso muito de estar no mundo para fazer coisas e também para deixar crescer estes personagens. E o Manuel Guerra, o raio do velho, com um cancro, não morre. Eu publico o livro, aquilo estava resolvido, e ele continua.

No fim do livro ficamos sem saber o que lhe acontece.

Ele no fim do livro começa um livro novo, ele que é escritor. Entretanto eu comecei a escrever o Por este Mundo Acima, um livro que escrevi para o meu filho mais velho, um livro sobre a memória, a importância da amizade, a destruição do mundo tal e qual como nós o conhecemos. É um livro cujo objetivo era dizer "isto é uma vertigem mas o que é essencial não é vertiginoso, está nos livros, nas pessoas". Aí surgiu o Eduardo. O Eduardo tem esta amiga, a Sofia. O livro saiu. O Eduardo, o Jaime e o Lourenço ficaram mais ou menos resolvidos mas o Manuel Guerra continuava a jantar comigo e a Sofia apareceu. O meu processo é estranho. O Zé Eduardo Agualusa diz que sonha os livros, o que é muito bonito e acho que efetivamente é assim. Ele sonha-os. Estes vêm viver comigo lá para casa. E então A Construção do Vazio será o livro que o Manuel Guerra ficou a escrever no fim do No Silêncio de Deus e recupera a história da Sofia. É uma história difícil, dura, porque é uma miúda pequenina com uma mãe muito complicada, com um abuso psicológico imenso, uma violência tremenda.

Não é só a mãe, há um abuso sexual por parte do pai.

É o abuso em todas as suas vertentes. Infelizmente, no século XXI a violência sexual no âmbito da família continua a existir e não é uma questão de classe social, é transversal. Há vários estudos e todos eles medonhos, na perspetiva humanista. Continuamos a assistir a mulheres serem mortas pelos pais, pelos maridos, pelos namorados todos os anos em Portugal.

E no mundo. Ainda há pouco tempo vi as estatísticas nos Estados Unidos, em Espanha e é terrível.

A cada sete segundos nos Estados Unidos uma mulher é violada. Isto quer dizer que desde que nós começámos esta conversa os disparates foram sucessivos e continuam a ser. Para a maioria das pessoas pode ser só uma notícia de jornal, mas não é. Há muita gente vítima de abuso que cala e cala com uma eficácia tremenda. Se olharmos para o nosso lado alguém pode ter sido vítima de abuso e estar calado, e estar calado uma vida inteira.

Neste caso, a Sofia.

Eu queria contar a história da Sofia e começar pela parte mais dura, o que vai até à descrição do que acontece com ela e com o pai. Não posso dizer que tenha sido fácil escrever mas era imprescindível porque enquanto não escrevesse ela não tinha a história dela cá fora, a mesma história de outras pessoas, e ela precisava que eu o fizesse.

É uma coisa programática, do género "agora vou falar deste tema que é tão difícil, vou arranjar uma personagem que vista este problema"? Ou as personagens impõem-no?

As personagens impõem-me temas, é estranho.

Não é uma personagem qualquer, é aquela?

É aquela. Sou e serei sempre jornalista, estando ou não numa redação tradicional. Estou atenta ao mundo e leio as diferentes coisas que se passam, muito atenta à causa feminina - para todos os efeitos, continua a ser uma causa, porque continuam a existir razões para continuar a ser.

Mas a ideia era fazer um manifesto?

Não, a minha ideia era chamar a atenção para um determinado aspeto da vida de uma pessoa e de como se consegue ser quase invisível o resto da vida por causa de algo que aconteceu na infância. E como se processa isso. Não fui a correr mostrar isto a um psicólogo ou a um psiquiatra, podia tê-lo feito. Mas a ficção também tem esse lado de construção pessoal. Não é uma reportagem, nem podia ser.

Como faz para separar essas águas?

São coisas completamente diferentes. Há duas patrícias.

Vem de dois lados diferentes?

Dois lados completamente diferentes. Posso fazer pesquisa e tentar procurar informação sobre um assunto porque me ocorre, mas preciso de deixar a Patrícia jornalista de lado para dizer isto é uma ficção. É uma esquizofrenia, uma bipolaridade, é uma perturbação mental certamente, porque se eu fosse normal não seria escritora, teria mais que fazer.

A escrita ajuda a resolver dificuldades?

A escrita ajuda a formular perguntas e a procurar encontrar respostas. Sempre foi assim para mim desde miúda. É uma maneira de eu fixar as coisas que me preocupam. Dou um exemplo. Por este Mundo Acima é um livro cujo cenário é uma Lisboa destruída e não se sabe porquê. Estive um ano e meio a dizer "se o Donald Trump for eleito, corremos o risco de um dia vivermos num cenário parecido ao cenário onde a Sofia e o Eduardo e o Jaime crescem como personagens".

É um livro lançado em 2011.

Quando chegamos à Sofia infelizmente está lá o nome do Donald Trump. Estamos a viver um tempo semelhante ao início dos anos 1930 na Europa, na iminência de algo e ainda não conseguimos perceber. O que vai acontecer não sei, porque não acredito que a História se repita. O que se repete é o espetro emocional e de ação do ser humano. E esse é o grande problema. Espero que neste momento esteja resolvido e a única coisa que posso dizer é eu já não janto com o Manuel Guerra nem com a Sofia.

Estes personagens ficaram resolvidos?

Finalmente, sim, todos.

Já estão a aparecer outros?

Já apareceram.

Como é que isso acontece? É preciso arrumar a casa em relação a estes para aparecerem novos?

Não entrego nenhum manuscrito à Cecília Andrade, que é a minha editora na D. Quixote, felizmente, sem ter começado outra história.

Porquê?

Não sei. Porque preciso de estar já dentro de outra história quando o livro sai. A partilha e a exposição do livro não me são fáceis, nunca foram. Não é que eu não tenha gosto, pelo contrário, e não é porque não queira partilhar, porque quero, obviamente. Mas hoje para se vender um livro só falta aparecermos nas embalagens do leite.

Há até cartazes que parecem pessoas.

São opções das pessoas, não tenho nada a ver com isso, os escritores e as escritoras aqui e no mundo inteiro fazem o que têm de fazer para promover, cada um promove como pode. Tenho muita dificuldade na exposição. Quando o livro sai, se eu estivesse vazia de história seria uma grande tristeza. Assim, já estou noutro território e esse território já se colou a mim, eu já estou lá dentro. Para ser sincera é: este livro já não interessa nada, o que interessa é o próximo

Mas é esquisito, porque tem de estar a falar sobre ele. Vai fazer uma sessão ou sessões de lançamento?

Não.

Outra vez? Porque a incomoda?

Não vale a pena, nenhum jornalista vai a um lançamento. Em Portugal saem 52 livros por semana. Não é brincadeira. A malta não lê.

E há 52 semanas por ano.

É uma barbaridade de livros. Os órgãos de comunicação social não têm espaço para divulgar tanto livro. Os lançamentos servem para reunir a família e os amigos. Para isso faço um jantar lá em casa, até nem cozinho mal. Ir à rádio, ir a um jornal, ir a uma televisão? Com certeza. É preciso que estejam disponíveis para isso.

Disse que desde pequena gosta de escrever. Como é que isso acontecia?

Escrevi sempre à mão, hoje tenho muita dificuldade em escrever à mão.

Isso vai ser um problema para os grafólogos.

A caligrafia bonita vai perder-se. Este regresso à escola teve isso de bom, obrigou-me novamente a escrever, e o facto de estar a escrever com papel e caneta faz com que consiga fixar muitíssimo melhor. Já não me lembrava, tem graça. Sempre escrevi, e sempre escrevi ficção. E uns poemas muito maus naquela altura da adolescência, depois de ler o Mário de Sá-Carneiro e a Florbela Espanca, todos nós achamos que aquilo é que é, aquele sofrimento e a morte e enfim...

Esses poemas ainda existem?

Não, obrigada.

E essas histórias?

Existe uma que o meu tio-avô guardou e me deu pouco antes de morrer. Com uma letra muito miudinha. As histórias eram já sobre pessoas. Escrevo sobre pessoas, é o que me interessa. Não há nada mais extraordinário que o tecido humano.

Mas é preciso estar atento?

É preciso ser muito atento.

Como cria as suas personagens?

Eu sou uma ótima ouvinte.

E observadora? Está no restaurante a ver a gabardina do outro que podia ser o Manuel Guerra?

Sim. Isso não quer dizer que eu pegue nas histórias que oiço ou que me contam ou que consigo observar e as transporte literalmente para a literatura, porque isso não é literatura, isso é outra coisa.

Também há quem faça isso.

Mas o que interessa é todo o trabalho que se faz para chegar a uma construção narrativa que faça sentido, a um determinado tipo de voz, a um enredo, e que seja eficaz. Eu não escrevo como as outras pessoas e as outras pessoas não escrevem como eu. O meu objetivo não é escrever como A, B, C ou D. Interessa-me escrever como eu acho que devo escrever.

Acha que há uma evolução?

Há um trabalho maior de linguagem, uma contenção cada vez maior. O Zé Cardoso Pires dizia que era preciso escrever no osso e isso não é fácil. Escrever com muitos rodriguinhos é fácil. Vou apurando, cada vez é mais conciso e mais fechado. É um estilo, é o meu, acho que é o meu. Não estou ver-me a ir por outro lado. Ainda bem que há uma evolução. Espero que daqui a dez anos os livros sejam muitíssimo melhores. Isto é tudo um caminho. Ninguém me vai ouvir dizer "este meu livro é extraordinário", porque eu não tenho autoestima para isso. Mas tenho a consciência de que é um livro importante. Para mim, é um livro importante.

Falámos só do abuso em relação à Sofia mas há outros temas que aparecem n" A Construção do Vazio.

Há questões de identidade fortíssimas, de total desapego às coisas, o que é uma desistência - a construção do vazio - e depois há este cenário de pré-catástrofe. Há algumas referências religiosas de que eu não me tinha apercebido.

Como deu agora por isso?

Um professor meu perguntou-me por que me tinha interessado pelas religiões e eu fiquei a pensar. Percebi que todos os livros têm qualquer coisa relacionada com a religião. Este território judaico-cristão onde nós crescemos ainda é muito forte.

E tem muito peso na sua vida?

A religião?

Sim.

A fé em bastante peso na minha vida, não a religião institucional, essa não tem peso nenhum. A fé tem imenso peso.

Em que sentido?

A fé que eu tenho, a fé que eu sinto. É fundamental, acho que deve ser muito exigente viver sem fé, muito solitário, e eu optei por não viver nessa exigência nem nessa solidão

N" A Construção do Vazio, há uma situação histórica. Os filhos de combatentes republicanos da Espanha franquista que foram retiradas às famílias. Isso tem que ver com a jornalista?

E tem que ver com a História. Sou uma grande adepta da pequena história, no sentido que o Georges Duby lhe dava. Aprendemos muito com as pequeninas coisas e ninguém fala destas crianças que foram retiradas. O que acontece a estes miúdos? Até que ponto estas crianças não têm o direito a saber quem são os pais e as mães e que herança têm, inclusivamente genética? É uma questão de identidade. No caso da Sara, que é a personagem a quem isto aconteceu, ela sente desde miúda que não pertence ali e esse sentido de não pertença é um desastre emocional na vida dela.

A Egoísta é uma revista mais do que premiada, é até um bocado obsceno, Quantos prémios tem?

Acho que são 72, não tenho bem a certeza.

Ao mesmo tempo é uma revista sempre ameaçada?

Mas isso é porque depende de um grupo empresarial, o grupo Estoril-Sol, que tem sido extraordinário. Nunca sabemos o que acontece porque os orçamentos são aprovados todos os anos. É como o Orçamento de Estado. Este grupo privado mantem uma revista com caraterísticas culturais e de promoção dos escritores e dos artistas portugueses, tem feito um trabalho excecional na área da cultura. Passaram 17 anos, nunca pensei que durasse tanto. De todas as coisas que faço, com exceção dos livros, esta é a que gosto mais de fazer. Sou muito feliz a fazer a Egoísta, também porque faço com uma equipa de gente extraordinária. Não há ninguém que me diga que não. É maravilhoso poder ligar a qualquer escritor, a qualquer artista, e saber que à partida o garante de qualidade da Egoísta é tão grande que as pessoas não vão dizer que não.

Cada número da Egoísta tem um tema. Como escolhe?

Não faço a mais pequena ideia.

Obedece a um calendário, a um programa?

Não obedece a nada. Lembro-me de uma vez estar em Milão a passear e de repente olhar para o outro lado da rua e era uma galeria de arte e estava um rosto de um velho numa tela, e eu ter pensado: ainda não fiz rostos. Atravessei e trouxe o pintor italiano para a Egoísta, ninguém sabe quem ele é, não interessa nada. Surge assim, e gosto que surja assim. Eu sou uma pessoa muito organizada e gosto quando surgem assim umas coisas. Por exemplo: este número, Política, era difícil.

O próximo número?

Sim, sai nesta semana. E não me digam que não conseguem encontrar a Egoísta, assinem, tenham paciência, sai três vezes no ano, se não conseguem ir ao Casino de Lisboa ou ao Casino Estoril buscar, assinem, porque ela existe de facto. Houve muita gente que me disse que horror, política, vai ser dificílimo. Eu não quero fazer uma revista cuja especialidade é política, eu quero uma revista que tem ficção. Mas também tem uma entrevista ao Primeiro-Ministro.

Aliás, feita por si.

Feita por mim, com umas características um bocadinho diferentes das entrevistas que se fariam ao Primeiro Ministro para um órgão de comunicação social tradicional. Porque a revista não vai embora, vai ficar na estante e convém que a entrevista tenha algo que dure no tempo. Mas tem outras coisas. Tem um portfólio do João Porfírio sobre o Marcelo Rebelo de Sousa que é maravilhoso. E tem ficções da Dulce Maria Cardoso e tem e tem e tem coisas maravilhosas.

Até tem o Diário de Notícias.

Até tem as capas do DN. Todos os números são um grande desafio porque é sempre suposto ser melhor que o outro. A capa então é uma dor de cabeça.

Porquê? Parece que aquilo nasce naturalmente.

Não nasce nada naturalmente. É preciso fazer um elogio público a um senhor chamado Jorge Moreira.

Quem é?

É uma das pessoas responsáveis na Norprint pela impressão da Egoísta e é um homem a quem eu digo as coisas mais disparatadas. Por exemplo: "vou fazer uma capa que só se vê se for enfiada no microondas". E o Jorge Moreira responde:"bom, se tem que ser".

E resolve tudo?

Tudo. Não há nada que ele não resolva. Acho que posso inventar tudo. Qualquer dia vou pedir-lhe uma capa que tenha uma aplicação para preencher a declaração dos impostos e ele vai dizer-me: bom, se tem que ser...

E vai ser um bestseller.

É extraordinário.

Na sua empresa não fazem só a revista.

Não, a 004 é uma agência de publicidade, é uma agência gourmet porque é muito pequenina, não se compara com as grandes agências nem é esse o objetivo. Mas é um grupo de gente muito nova, muito entusiasmada, muito polivalente, com muito boas ideias. Tenho esta empresa há 20 anos e estou felicíssima porque devo ser a única microempresa em Portugal que pode dizer isto: não tenho dívidas. Não é espetacular?

E tiveram os filmes que...

Tivemos várias coisas que nos correram particularmente bem. Temos uma belíssima equipa, temos um diretor criativo gigante, até porque ele pesa 130 quilos e não se vai ofender de eu dizer isto, mas muito bom. Não é fácil ter uma empresa em Portugal, é um exercício de masoquismo. Eu nunca vou ficar rica.

E isso preocupa-a?

Não, nada. Haveria certamente quem me dê uma sopa se for caso disso. Se eu precisar de trabalho vou para taxista porque conheço Lisboa como a palma das minhas mãos.

É sempre uma possibilidade.

A quantidade de histórias...

Isso dava para alimentar uma série de romances. Eu estava a falar dos filmes em que uma criança descobre os computadores ou os computadores descobrem-na a ela.

Não, eles já vêm com computadores, vêm incorporados neles.

Como conseguiram aquela marca?

Foi o João Gomes de Almeida, o nosso diretor criativo. O trabalho de angariação de um cliente é um trabalho de sedução, de namoro, de corte à antiga. Mas depois é preciso ter talento e qualidade e estar lá e fazer o trabalho e cumprir. E nós cumprimos de tal forma que esta marca, que é uma multinacional, adotou o filme para onze países. Foi a primeira vez que isto aconteceu à Microsoft Portugal, ter um filme que onze países quisessem. Tem sido um cliente extraordinário para nós, e também é mérito deles terem confiado em nós como confiaram. A grande coisa da 004 é este trabalho a quatro mãos. Não há aqui ninguém que diga "eu sei mais do seu negócio porque eu sou criativo". Nós gostamos da partilha. E é bom.

O que me parece é que a Patrícia, no ano em que faz 47 anos, está bem, tranquila.

Estou finalmente muito bem. Cheguei bem a esta fase da vida.

Cheia de dores numa perna, chegou aqui a coxear.

Sim, com dores mas com dois filhos maravilhosos e que estão na vida, já não tenho obrigações educacionais. Neste momento, tenho obrigações de apoio, de ternura, do melhor que é ser mãe, que é estar, estar para o que for. Acho que vou ser uma boa sogra porque acho que vou seguir aquele lema do dar muito e aparecer pouco. Deve ser bom. E tenho um marido com quem estou muitíssimo bem, fazemos muitas coisas juntos. A vida só é difícil se nós optarmos por ela ser difícil. Fiz uma opção para estar num caminho fácil, quando uma pessoa entende que o caminho pode ser fácil as coisas facilitam muito, facilitam-se elas próprias.

Isto não quer dizer que fica em casa de pernas estendidas.

Não, isso não vai acontecer.

A Patricia Reis trabalha muito, é incapaz de ficar quietinha em casa mesmo quando os médicos a mandam ficar.

Mas isso faz parte da vida do caracol, tem que andar, com os pauzinhos ao sol, tem que andar. Quando for para descansar morro e pronto, logo se vê. É uma inevitabilidade. Costumo dizer, e os miúdos às vezes chateavam-se comigo mas quando há um problema eu digo: vais morrer, não sabes quando, queres mesmo desperdiçar as tuas energias nisso? Há que relativizar as coisas.

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