Cartas da Guerra foi um dos filmes candidatos ao Urso de Ouro na última edição do Festival de Berlim. Um objeto delicado, de violência interior, que pede luz à escrita de um jovem António Lobo Antunes para se guiar na noite que é a memória da guerra colonial. Com efeito, esta terceira longa-metragem de Ivo Ferreira parte de missivas publicadas (D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto: Cartas da Guerra), do escritor à sua mulher grávida, quando se encontrava em África, para desse esplendor da intimidade obter o reflexo justo de um tempo. Da cadência das cartas, enviadas entre 1971 e 1973, e lidas sobretudo na voz feminina - a de Margarida Vila Nova -, o realizador elabora o molde dramático das imagens, onde o ator Miguel Nunes surge mais vezes do que ela. Afinal, é a paisagem africana, sublimada num preto e branco gracioso, e a experiência traumática daqueles homens, que alimentam a narrativa memorialista.
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Cartas da Guerra é um filme silencioso - mesmo que a palavra e a voz o percorram de uma ponta à outra. É belo e discretamente perturbador, como um horizonte de tragédia humana.
Classificação: **** Muito Bom