Em busca da razão para a pressa de Proust num filme perdido

A descoberta de um breve filme de 1904 onde está Marcel Proust mostra como era o escritor em movimento. Demasiado rápido para os especialistas proustianos.
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Ao 37º segundo aparece o primeiro fotograma do filme onde está durante alguns momentos um dos protagonistas mais sedutores de sempre da literatura francesa - e mundial -, o escritor Marcel Proust. São imagens a preto e branco inesperadas, principalmente porque têm o condão de serem animadas em vez das poses estáticas para o seu tempo de "dandy" mais influente das letras, mesmo que no pequeno filme recentemente descoberto Proust quase não escape ao seu perfil eterno de cavalheiro.

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Porque há um senão, é que Proust não desfila pausadamente como seria de esperar na cerimónia de casamento onde é filmado, antes desce as escadas à pressa e a ultrapassar muitas das outras pessoas que empatam a caminhada.

Será que esta pressa poderia colocar em dúvida ser mesmo Proust quem aparece no pequeno filme? Afinal, o "dandy" nunca acompanhava a marcha apressada e desalinhada do resto da humanidade mas cumpria o ritual de caminhar elegantemente, como se estivesse em busca de um tempo perdido.

Essa foi, aliás, uma das grandes questões levantadas a partir do momento em que se deu como provável a sua presença neste pequeno filme. Que retrata o casamento de um amigo que ocorreu numa terça-feira parisiense, a 14 de novembro de 1904. Tratava-se do enlace do duque Armand de Guiche com a menina Élaine Greffulhe, que teve lugar ao meio-dia na Igreja da Madalena.

Ora se existia a certeza de que dificilmente não seria Marcel Proust que aparecia entre os convidados, o pormenor do seu andar apressado colocava sérias reticências àquela que é a primeira aparição em movimento num filme de que se tem até hoje conhecimento.

Daí que o debate se tenha instalado. É Proust? É Proust apressado? É possível? É impossível? Diga-se que tudo levava a crer que fosse realmente o escritor o homem que descia as escadas à pressa, visto que o noivo era seu amigo e a noiva inspirara a personagem Oriane de Guermantes nos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido. Se não bastasse a semelhança física, a roupa que envergava era típica em si. E não faltavam testemunhos de que Proust marcara presença nesse evento.

Esta perplexidade perante a identificação positiva de um Marcel Proust em andamento rápido gerou grande polémica entre os especialistas proustianos. O responsável pela descoberta do filme nos arquivos franceses do Centro Nacional de Cinema, Sirois-Trahan, não apresentava dúvidas de maior no artigo que publicou na Revista de Estudos Proustianos mas pedia cautela quanto à certificação. O diretor da revista, Luc Fraisse, admitia a possibilidade de ser Proust quase a 100%. O especialista da Pléiade, Jean-Yves Tadié, mostrou-se muito satisfeito mas solicitava prudência...

Tanto assim que o semanário Le Point decidiu envolver-se na grande questão das últimas semanas em torno de Proust e investigou a fundo a partir da pergunta que inquinava a identificação: o que fez correr Proust nesse dia de 1904?

A resposta, simples como acontece e todos os fait-divers deste âmbito, foi encontrada por Jean-Pierre Henriet, presidente do Círculo Literário Proustiano, e sustenta-se num único facto: a hora da cerimónia. Ou seja, o casamento estava marcado para as 12 horas, horário impossível de cumprir para Proust, que nunca se levantava antes do meio da tarde, momento em que tomava o primeiro café e fazia a fumigação própria para o tratamento da asma. Conclusão: Proust nunca estaria pronto para a vida antes das 18.00 e o casamento aconteceu às 12.00.

É fácil perceber que a alteração radical nos seus hábitos não foi fácil e que Proust quase não conseguiu estar pronto à hora ideal, o que o fez chegar com algum atraso ao cortejo dos convidados e descer bastante apressado as escadas da igreja, coisa nunca vista no "dandy". Ficou assim resolvida a grande inquietação entre os entendidos no escritor e o filme deslindou um outro Proust. Um escritor sem tempo a perder!

Pessoa filmado por Manoel de Oliveira?

E se acontecesse a descoberta de um filme com o poeta Fernando Pessoa? Bem, parece uma situação impossível de se verificar, mesmo que haja a suspeita de que Manoel de Oliveira o tivesse convidado para ser figurante num filme seu. O pessoano Richard Zenith garante que não há provas, além de que Pessoa nunca foi ao Porto, local onde teria ocorrido a fimagem. Os únicos filmes com o poeta resultam da reunião de várias fotografias, mas resumem-se a um ou dois segundos. Como é o caso de Fernando Pessoa com o jornalista Ferreira Gomes, do Diário de Notícias, a descer o Chiado.

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