Duvivier: "Muita gente vai querendo um stand up e depois é um drama"

Gregório Duvivier regressa a Portugal para uma digressão com Uma Noite na Lua
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O homem, a sua falta de inspiração, a mulher que o deixou, os prazos, a solidão, a morte, o amor - uma cenário negro e uma luz. Uma Noite na Lua é isso, apenas isso, o suficiente para "entrar na cabeça desse homem", segundo o seu protagonista, Gregório Duvivier, também conhecido como um dos cinco fundadores do coletivo humorístico Porta dos Fundos, cronista da Folha de S.Paulo e voz inconformada da política brasileira. "Eu surpreendo muita gente, que vai querendo um stand up e depois é um drama, mas, no fundo, tem humor. É uma comédia que não tem medo do drama, e é o género de comédia de que mais gosto".

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Duvivier, 30 anos, usa três semanas de férias para as 16 apresentações marcadas para Portugal (faltam 13). "Fala de coisas universais: solidão, criatividade, amor", diz o ator e guionista. A peça foi escrita nos anos 90 para o ator Marco Nanini e regressou há quatro anos, quando o autor, João Falcão, mostrou o texto a Gregório Duvivier. "Eu quero fazer isso, eu queria ter escrito isso. Como não podia voltar atrás no tempo e escrever este texto resolvi fazer."

É a segunda vez que traz Uma Noite na Lua a Portugal. Esteve por cá em outubro e, entre outros locais, apresentou-a no Açores. "Você está em São Miguel, no meio do oceano Atlântico, e pergunta:será que vai funcionar aqui? Foi escrito por um brasileiro pernambucano que acho que nunca veio a Portugal, inclusive". Será que isso vai funcionar e quando vê as pessoas aos prantos no final, numa catarse coletiva, é muito emocionante a mágica do teatro e da arte que é capaz de falar com público, que consegue falar com pessoas que nunca viu na vida como se fossem amigas íntimas."

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O autor é o dramaturgo e compositor João Falcão, pai da cantora e atriz Clarice Falcão, ex-mulher de Gregório (ex-elemento do elenco da Porta dos Fundos). Muito conhecido no meio teatral brasileiro mas desconhecido em Portugal. "[As pessoas] Ficam quase assustadas de não conhecer", diz. "Uma das coisas que me deixa feliz é trazer para cá o João".


Chegar no dia do golpe

A conversa sobre a peça foi antecedida pela conversa sobre política na quinta-feira à tarde, dia em que Gregório Duviviver aterrou em Portugal - o dia em que Michel Temer, vice de Dilma Rousseff, assumiu a presidência. "Saí no dia do golpe, parece que estou vindo me exilar aqui. Aconteceu quando eu estava nos ares. Se virar uma ditadura militar, o que não duvido, eu seria um dos primeiros a ser preso no Brasil hoje".

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Os skectches da Porta dos Fundos e as suas crónicas na Folha de S. Paulo, tornam-se num alvo preferencial dos que eram a favor da destituição de Dilma e hoje apoiam Michel Temer. Mostra o telefone, e várias mensagens cujo propósito é insultá-lo. "Hoje em dia, todos temos episódios desse género. O Kibe Loco [António Tabet], estava andando na rua e um cara falou "comunista". É a pessoa que eu conheço mais à direita, votou no Aécio [Neves]. Então, ele está com medo. É surreal isso. Ver o grau de ignorância e de ódio a que chegou no Brasil."

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Conta que mudou de bairro. É hipérbole, mas o exagero não retira verdade à coisa. "Me separei, decidi não ficar Leblon, onde tinha um sítio que dizia "Aqui se vota Aécio", como se fosse um gueto. Mudei para outro, onde nem tem ninguém batendo panela". Faz uma espécie de parêntesis na conversa: "a cena mais triste que tem é uma senhora que nunca pegou panela, não sabe nem que serve para cozinhar, acha que é instrumento de percussão, batendo na janela. Essa cena é realmente patética. Agora que o Temer assumiu, pergunta se vão bater panela. Não vão".

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Se o trabalho de Porta dos Fundos tem uma faceta ligada à critica política, como gerir o compromisso com as cerca de 50 pessoas que hoje ali trabalham e a liberdade de fazerem aquilo que planeavam fazer quando se juntaram há cinco anos " insatisfeitos com a falta de liberdade criativa da TV brasileira" (descrição oficial no site)? "A gente fica com mais raiva". Foi o que aconteceu com o vídeo Delação, onde satirizam a busca de implicar Lula e Dilma Rousseff no caso Lava Jato, no ar desde 2 de abril, que recebeu críticas ferozes, sobretudo à direita. "Vieram bater na gente, a gente só fica com mais raiva". Na entrega seguinte, decidiram "rir desses imbecis que estão falando isso da gente". Refere-se às insinuações de que eram pagos pelo PT. "A gente encenou a versão deles". O sketch chama-se Reunião de emergência 3, Delação 2. Insiste: "A raiva é o combustível do humor. A gente não é de se amedrontar não. O que a gente faz é tentar abraçar todos os pontos de vista.

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A Porta dos Fundos nasceu em 2012, diretamente para o Youtube e tem atualmente 11,8 milhões de subscritores. Já lançaram livros, DVD com sketches e têm um programa na Fox Brasil. A 30 de junho lançam o primeiro filme, Contrato Vitalício. Também há um documentário sobre humor lusófono em preparação. Há de passar pelo Gato Fedorento. "Comecei a ver e fiquei fissurado. Passei para todos os meus amigos, acho que fui até responsável por uma certa febre no Brasil". Um tipo de humor, baseado em situações absurdas. Ri da condição humana, não tem exagero, não tem caricatura". Acredita que é (também) por isso que Uma Noite na Lua interessa aos portugueses.

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