Do hip-hop senegalês ao r&b haitiano. Assim soa o Kriol
É uma utopia bonita, a que por estes dias se vive na Cidade da Praia. Durante uma semana, a capital de Cabo Verde foi literalmente um palco do mundo aberto a todos, com centenas de músicos, empresários, produtores e jornalistas de todo o mundo unidos por uma causa comum, a música.
Primeiro com a Atlantic Music Expo (AME) e desde quinta-feira com o Kriol Jazz Fest, um festival que celebra a música crioula dos dois lados do Atlântico e mais uma vez tornaram o pequeno arquipélago africano no centro da world music, com um vasto programa de conferências, workshops e muitos, muitos concertos. Porque, como referiu o diplomata cabo-verdiano António Lima, "para se conhecer um povo, é importante conhecer a sua música".
O atual embaixador permanente de Cabo Verde na ONU e antigo líder do Kaoguiamo, um dos primeiros grupos de intervenção cultural africano a cantar na Europa a luta de resistência dos povos africanos contra o colonialismo, foi um dos convidados de uma das mesas-redondas mais concorridas da edição deste ano da AME. O tema era precisamente a música como forma de resistência, uma realidade bem presente em muitos países africanos.
"A música é o fundamento de muitas destas sociedades", realçou o maliano de origem tuaregue Manny Ansar, organizador, no seu país, do Festival au Désert ou da Caravana Cultural para a Paz. Parte do território do Mali está controlado por jihadistas, que proibiram por completo a música. "Mas há quem resista com muita coragem", sublinha o produtor que convenceu os Tinariwen "a trocarem as armas pelas guitarras como forma de resistência", transformando-os num dos maiores embaixadores mundiais da causa tuaregue.
"Um dos objetivos destes encontros é questionar a diversidade enquanto razão de divisão entre os povos", explicou no final o ministro da Cultura de Cabo Verde, Lúcio Lima, também ele músico. "A diversidade é a origem, mas a finalidade tem de ser a síntese. A maior transformação que a música provoca é a nível individual, em quem a ouve, e por isso ainda se destroem instrumentos", defendeu o governante, que teve na AME um dos projetos mais ambiciosos e prioritários do seu mandato, prestes a chegar ao fim.
E o ambiente de festa fora da sala de conferências, prova que a aposta foi ganha. Para além de diversos showcases durante a tarde, as noites eram ocupadas com concertos espalhados por diversos palcos, onde de um momento para o outro se passava do hip-hop senegalês para o reggae cabo-verdiano ou para um r&b haitiano.
Ao mesmo tempo, decorriam pela cidade um sem fim de concertos à margem da programação oficial, numa espécie de pré-Kriol Jazz Fest, que desde quinta-feira aqui juntou músicos da Europa, África e Américas, numa celebração da cultura crioula. A utopia da síntese é, afinal, possível, nem que seja só por alguns dias.
Cabo Verde
*O jornalista viajou a convite da Tumbao