De Lisboa a Elvas com a arte e o design na bagagem
Arte ou design? Se no final da visita a esta exposição entre duas cidades, Lisboa e Elvas, for possível detetar numa as influências da outra, e vice-versa, a missão da curadora, Bárbara Coutinho, diretora do MUDE - Museu do Design e da Moda, estará cumprida. Abolir os obstáculos de que fala o título escolhido para a exposição - Abaixo as Fronteiras! Vivam as Artes e o Design - reflete esse momento em que combina duas coleções, a de Francisco Capelo, que é espinha dorsal do museu que lidera, e a de António Cachola, que ocupa o MACE, a sigla do Museu de Arte Contemporânea de Elvas, naquela que é a primeira iniciativa do museu que dirige fora de portas, isto é, enquanto a antiga sede do BNU, na Rua Augusta, estiver encerrada para obras.
Bárbara Coutinho vai ao cerne da exposição, decompondo o título. "Não estamos a dizer que não há fronteiras, elas existem, mas vamos olhar as propostas destes dois museus e encontrar enquadramento cronológico e perceber as afinidades e os diálogos mais abertos entre as peças do que entre os autores", explica a diretora e curadora. Privilegiou-se na seleção a maior representatividade possível. Cem autores estão representados, em mais de 125 peças.
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Pensamento e habilidade manual são denominador comum à arte e ao design. "Ambos têm que ver com o desenho, o pensamento e o questionamento da sociedade."
As balizas temporais são as mesmas. "Guiei-me pela cronologia do MACE", diz a curadora. Ou seja, dos anos 1980, a década em que começa a coleção, até à atualidade.
Os temas, esses, são diferentes. Em Elvas, onde a exposição se encontra desde 21 de maio, fala-se da relação com a pintura e a bidimensionalidade. Na Sala do Risco do Pátio da Galé, desde 10 de junho, o objeto, a arquitetura e o espaço são o centro da questão. Há mais instalação e escultura.
Veja-se a peça que dá as boas-vindas no Pátio da Galé, da autoria de Miguel Januário, MaisMenos: um carrinho de supermercado cujo cesto foi transformado num sinal de mais. Chama-se To Buy or not to Be. E está dado o mote, se explicação faltasse. A exposição não se centra nas diferenças que cada disciplina tem. A arte, o belo; o design, o funcional. Essa discussão já foi tantas vezes feita que se tornou estéril", sublinha a curadora, antes de avançar pela Sala do Risco.
Foi a Bárbara Coutinho que António Cachola dirigiu o convite para assumir a curadoria de uma exposição no MACE. "Concluiu-se que deveria ser uma relação institucional entre os dois museus.
Há um lado prático, invisível ao visitante nestas exposições. Como combinar o trabalho do designer italiano Andrea Branzi, a sua Vertical Home (1994), que vem perguntar porque não ocupamos as paredes, ou o seu candeeiro Wireless (1996) com o T0 Azul da artista Patrícia Garrido? Bárbara Coutinho junta-os em Lisboa. Como o faz com o tríptico negro, evocação de Manet, de João Louro, e o sofá prateado brilhante de Ron Arad ou o sofá amarelo de Marc Newson.
As relações, combinações e diálogos entre as peças foram o ponto de partida da curadora, depois de conhecer em profundidade o espólio do MACE, mas ainda antes de decidir o que ficaria em Elvas e o que ficaria em Lisboa.
Conhecidos os locais, a exposição começou a desenhar-se nas temáticas e depois no espaço físico.
Rui Chafes encontra McQueen
Bárbara Coutinho conta que a sala mais recolhida do MACE, o antigo hospital da Misericórdia de Elvas, revestida a azulejos e com um altar, ficou reservada para uma capa de Alexander McQueen com uma estampagem do quadro A Virgem e o Menino, em diálogo com a peça de Rui Chafes Um Corpo Nu de Flores (1997). "Como toda a obra, trabalha a transcendência dos materiais."
Depois da sua inauguração em Elvas, Bárbara Coutinho não tinha voltado ao MACE, ocupada com a montagem do polo lisboeta, mas no regresso ao Alentejo mantém os adjetivos com que a descreveu a 21 de maio. "Achei que estava sólida e apelativa."
Houve a preocupação de diversificar autores. "No design não há repetições." E, sem surpresa, há mais do MUDE em Elvas, mais do MACE em Lisboa. Lisboa abre com duas peças da coleção Cachola, o já mencionado To Buy or not to Be, e a Cama Valium de Joana Vasconcelos. Em Elvas, começa-se com um vestido-ilusão de ótica de Jean Paul Gaultier (1999), o tecido negro sobre o qual são estampados casaco e calças de ganga da mesma cor, e duas jarras Painting with Rembrant, de Fernando Brízio.
A segmentação das salas deu a oportunidade de partir o discurso, explica Bárbara Coutinho perante as paisagens criadas pela lâmpada florescente de Igor Jesus, em 2012, o horizonte de mais de 800 fósforos criado por Diogo Pimentão, em 2009, e a paisagem feita de canetas Bic de Dalila Gonçalves, uma peça que existe antes da sua forma na parede quando a artista a constrói a partir dos materiais que recolhe e trocando uma caneta com tinta por uma usada. Ao fundo, outra paisagem, mas de Andrea Branzi: o tronco de cerejeira que é estante, e parte de uma série limitada produzida pelo designer.
Na sala seguinte duas peças chamam tomam conta da sala. Público/Privado - Doce Calma ou Violência Doméstica, da portuguesa Fernanda Fragateiro, e, por outro lado, o biombo de Leonaldo de Almeida (1987-1988), produzido para a Loja da Atalaia, no acervo do MUDE desde 1998 e mostrado em Elvas pela primeira vez. Tem um interior de veludo azul que parece uma pintura.
Em Elvas, a exposição, em circuito labiríntico, ocupa dois pisos. A escadaria que une ambos é mais um ponto de paragem. Nas escadas dois modelos do designer de moda francês de origem marroquina Jean-Charles de Castelbajac. O vestido com citações da pintura de Mondrian e Matisse casa com a cadeira de Proust pós-moderna de Alessandro Mendini, em produção desde 1978.
Em Lisboa, há frigoríficos
Uma das instalações de maiores dimensões é O Lado Escuro da Lua, um trabalho de 2014 de Igor Jesus, mais de três metros de comprimento de carcaças de frigorífico, vistas pelo lado que habitualmente é escondido. O do motor, resistências e fios, enquanto do outro lado, a luz fria destes equipamentos continua acesa. É neste ponto que Bárbara Coutinho chama a atenção para a ausência de bases na apresentação das peças, como acontece nos museus clássicos. E essa máxima foi aplicada para todas peças, de arte e de design, com exceção das cadeiras de John Angelo Benson, para segurança do visitante. Trata-se da interpretação dos clássicos de Mies van der Rohe, Gerrit Rietveld e Le Corbusier do artista, que resultaram em Mies Lobby Trap (com bicos pontiagudos no assento), Red Blue, But Clear (transparente) e Naked Confort (com palha).
Estas peças encadeiam com uma obra de Vhils, com as marcas que ele vai deixando pela cidade, ao lado de três exemplares do acervo de moda da coleção do MUDE: Ana Salazar, Comme des Garçons e Vivienne Westwood - um vestido com partes de outras peças, patchwork e sobreposições.
Concebidas para ser vistas em dupla, "vivem enquanto experiências independentes, "são dois polos bem enunciados", mas uma só ideia, que resultará num livro de exposição.