Correntes d'Escritas, a máquina de fazer escritores
Há duas certezas em cada edição do Correntes d"Escrita: que os participantes de cada mesa vão criticar o tema escolhido para a sua sessão e a originalidade de alguns oradores. Se o primeiro é injusto, já o segundo acontece frequentemente. Mesmo que seja pela negativa, como aconteceu com o escritor José Manuel Fajardo ao revelar que há seis anos que não escreve um livro: "Estou sem sonhos!"
Essa não é, no entanto, a tendência de quem vai à Póvoa de Varzim falar, sobretudo na edição deste ano, em que se nota a tentativa da organização em assegurar a sobrevivência intelectual de um dos festivais literários mais importantes do país ao convidar novas gerações de escritores. Ou seja, nesta edição, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto ou Afonso Cruz já estão noutra faixa etária que não a das poetas, por exemplo, que têm tido sucesso nos últimos tempos: Filipa Leal ou Matilde Campilho. Que no primeiro caso fez questão de afirmar que "talvez a literatura seja uma questão de mal-entendidos". Ou no segundo, que "consoante o leitor o poema muda". Ou seja, longe começam a estar os tempos de autores aborrecidos ou que só interessam o público se contarem umas piadas ou episódios de uma autobiografia de sucesso. O único problema é o facto de estas presenças de autores mais jovens ainda não conseguirem atrair uma geração mais nova ao Cine Teatro Garrett, e que apenas conhecem as novidades quando elas aparecem em iniciativas nas escolas do concelho.
Mesmo assim, pode dizer-se que o Correntes d"Escritas está a comportar-se como uma máquina de fazer escritores, pois o espectador distante das novas vozes é obrigado a conhecê-lo por questões de programa. E não se ficam só pela poesia, nem pela presença nacional, já que do Brasil veio também um jovem autor, Julian Fuks, que teve editado recentemente em Portugal o romance Resistência. Um livro que dirige aos leitores as questões da identidade pessoal, mas principalmente leva para o palco do Correntes um assunto que parece ser quase tabu entre a maioria dos escritores que até ontem passaram pela Póvoa de Varzim: o debate político e o papel do escritor.
Diversidade
Entre as muitas iniciativas, destaque para a apresentação de uma volumosa biografia, com inéditos de David Mourão-Ferreira, da investigadora Teresa Martins Marques. Ou a atenção dada a António Lobo Antunes, pela consagração da revista dedicada ao autor e pela exposição de um interessante trio de séries de fotografias de Ana Carvalho. Também houve presenças de autores que nunca tinham estado no Correntes, como Manuel Alegre, ou a repetição de presenças fundamentais da literatura nacional, como as de Hélia Correia, Mário de Carvalho e Ana Luísa Amaral, entre outros. A presença de autores de 11 nacionalidades também surpreendeu, como a de Javier Cercas, o vencedor do Prémio Literários do Casino da Póvoa deste ano.