A vida de Brian. Uma festa (quase) sem rugas
Brian Wilson subiu ao palco para cantar a sua vida: a voz revela as fragilidades da idade, dos 73 anos que se lhe colam ao rosto, nas rugas que cavam fundo, no cabelo branco indomável com o vento, sempre sentado ao piano. Mas a vida de Brian respira-se também na história de Pet Sounds, o álbum que está agora a fazer 50 anos e que serve de pretexto para a digressão que o americano fundador dos Beach Boys tem levado a todo lado - e ontem ao cair da tarde ao Porto, no NOS Primavera Sound.
California Girls, I get around e Surfer Girl foi a sequência com que Brian Wilson abriu o concerto e ainda deu palco a Blondie Chaplin - com Sail on, Sailor - para repousar a voz, antes de mergulhar na interpretação integral de Pet Sounds. E não é um álbum fácil, como nenhuma canção do jovem Brian é.
Tomemos como exemplo You still believe in me, podia ser outra, para ouvir o jogo complexo de polifonias de vozes e instrumentos. Só aparentemente é simples a construção musical de Pet Sounds e Brian Wilson consegue transportar para palco essa complexidade. Que se replica também na instrumentação, e que paleta de instrumentistas!, que o acompanha (uma banda de dez músicos, para além do próprio).
[artigo:5220670]
"Eis uma canção em que não ouvem vozes, não tem vozes, só instrumentos", antecipa Brian, que vai introduzindo com mais ou menos palavras, mais ou menos entusiasmo cada um dos temas que se ouvem. "Ouçam estas palavras, ouçam, vão adorar, vão adorar", diz a determinada altura, num entusiasmo quase infantil.
No fundo do palco, lá estava a sua imagem, muito novo, sempre presente, num jogo de contrastes com o rosto que surgia nos ecrãs do palco. E com a voz. Logo ao início pediu ao técnico para afinar o som - "não ouço a minha voz" - e houve momentos em que não se ouvia de facto a voz ou ela fraquejava no momento de subir aquela nota.
A vida de Brian como ela foi não perdoa, mas para isso lá estavam nas dobras de Al Jardine e Matt Jardine. A história faz-se também de falhas. E a lenda estava ali ao pé de nós. Em God only knows notou que "Paul McCartney gosta muito" - como se o beach boy precisasse da caução do beatle.
Para o final estava reservada a festa. Depois de Pet Sounds, introduziu Good Vibrations com uma imensa multidão a dançar no anfiteatro do Parque da Cidade. Surfin in USA e Fun Fun Fun fechou um encontro com a História e muitos acabaram reconciliados com a lenda frágil que saiu do palco quase amparado.
Casa cheia
Em dia feriado, casa cheia - e logo desde o início da tarde (as portas do Parque da Cidade abriram pelas 16.00) se antecipava bem ao que iam as pessoas: Brian Wilson a cantar os 50 anos de Pet Sounds, com proliferação de T-shirts verdes a emularem a capa do mítico álbum.
Ao segundo dia, os portugueses White Haus abriram a tarde com a sua eficaz pop eletrónica a pedir aos corpos os primeiros movimentos ritmados da tarde, acompanhados de um copo.
Sem chuva que se visse no horizonte, ao contrário do primeiro dia, a casa cheia de ontem levou por arrasto uma imensa multidão a acompanhar o californiano Cass McCombs, parecendo querer guardar-se para acompanhar Pet Sounds, apesar de ontem já terem arrancado outros dois palcos: o da Pitchfork e o palco . - assim, um ponto.
McCombs tem um novo álbum na forja e ensaiou, por vezes, no palco principal - com o sol ainda alto a ofuscar o discreto jogo de luzes - num registo que se afasta da folk mais intimista que o caracteriza. Se no dia anterior, outra californiana, Julia Holter, pedia outro recato, também Cass McCombs o pede - mesmo que o cenário deste festival iluda: sobra tranquilidade com a cidade como pano de fundo.
Tal qual no primeiro dia, o anfiteatro natural do festival é também um imenso espaço de encontro, de amigos e famílias, de crianças e mais entradotes, as conversas postas em dia com música de fundo.