A noite em que a PricewaterhouseCoopers quase roubou o Óscar a Moonlight
O melhor da noite dos Óscares não foi o chocante erro da troca dos envelopes. As grandes emoções estiveram nos rostos dos atores das primeiras filas quando descobriram o que se estava a passar. Aos poucos começam a surgir fotografias (as câmaras não puderam apanhar tudo naquele momento de histeria) de um instante que vai ficar na história da televisão e podemos ver Meryl Streep, Michelle Williams ou Jeff Bridges absolutamente atónitos com a situação. São imagens que contêm uma carga dramática que uma cerimónia dos Óscares raramente convoca, quase na ordem do testemunho de um crime. Perturbação, incredulidade e boca aberta. Muitas bocas abertas. O impensável em direto é um tónico que abala, que muda o paradigma dos papéis propostos. A dada altura - e aí as câmaras captaram bem as reações - percebeu-se que a reviravolta do vencedor da noite criou uma reação de júbilo. Michelle Williams festejou o desfecho triste de La La Land- Melodia de Amor, enquanto Denzel Washington e Octavia Spencer também eram todos sorrisos. O maior erro de sempre numa cerimónia dos Óscares foi um grande momento televisivo dos últimos anos. Algo que vai ter sequelas e repercussões que por agora são difíceis de imaginar. Depois de 2017 nunca mais os Óscares vão voltar a ser olhados da mesma maneira. A frase "isto não é uma piada", do produtor de La La Land tem um valor estranhamente simbólico. O facto de alguém, no momento clímax da cerimónia, lembrar a todos que o momento da atribuição do melhor filme do ano "não ser uma piada" tem de ser posto em contexto. Será que os Óscares são apenas uma joke na indústria? O erro da troca dos cartões já assumido pela PwC é humano mas também terrível. Descredibiliza a Academia e vai obrigar a uma revisão do paradigma. Revisão ou revolução.
Por outro lado, este abanão que muito deve ter feito sorrir Trump, o inimigo número 1 desta Hollywood, era tudo o que esta cerimónia pedia - imprevisibilidade, suspense, reações humanas. Uma cerimónia onde os discursos nem foram muito políticos nem emocionais (à exceção de Viola Davis). A gaffe foi também uma experiência para o espectador. Interrogámo-nos todos: o que se está a passar? Isso, num direto televisivo é o melhor que podia acontecer. O erro humano continua a ser um espetáculo de fascínio, sobretudo quando chega com uma combinação de mistério e rábula de comédia. A troca de La La Land por Moonlight tanto pode fazer rir como chorar, mas igualmente com cheirinho melodramático quando Jordan Horowitz (produtor de La La Land), de forma muito humana e graciosa, entrega o Óscar que chegou a ser seu por breves minutos, aos produtores de Moonlight.
Tudo isto nuns Óscares que coincidentemente abriram-se para o comum mortal no sketch de apanhados quando um grupo de turistas se viu surpreendido em direto na cerimónia. Michael De Luca, o produtor da cerimónia, quis o povo na cerimónia. O que aconteceu foi também um mítico momento de televisão que meteu casamento em direto e overdose de selfies. A Academia deu luz verde a uma metaexperiência sociológica de contaminação de celebridade. Dir-se-ia até que pareceu performance de realismo televisivo. Mas foi também uma cerimónia que jogou pelo seguro, sobretudo quando Jimmy Kimmel utilizou gagues e truques que usa diariamente no seu talkshow. Foi um jogar pelo seguro algo preguiçoso, nomeadamente quando vimos a mesma brincadeira dos brindes de comida a serem atirados do teto do teatro. Em contraste, as homenagens de atores mais jovens a atores mais veteranos foi um prodígio de bom gosto (excelente iluminação em peças gravadas onde se via, por exemplo, Charlize Theron num cinema a falar de Shirley MacLaine em O Apartamento), uma ideia de partilha de amor entre artistas de gerações diferentes. Uma iniciativa que mostrou um desejo de sofisticação que não foi levado até ao fim. A maneira como se pensou na coreografia da canção nomeada de Sting de Jim: The James Foley Story revela que ainda há muitas resistências conservadoras no seio da Academia, por muito que antes se tenha feito uma espécie de ousadia com o número de abertura de Justin Timberlake na canção de Trolls, a animação do DreamWorks. Uma ousadia que pôs logo a dançar a plateia do Dolby Theater.
Os mais atentos viram também a morte da produtora Jan Chapman nas fotografias do In Memoriam. Chapman está bem viva e apareceu por engano para ilustrar a falecida artista de figurinos Janet Patterson... Ai a maçada dos erros!