1939: o apogeu de Hollywood no mundo em declínio
Na história de Hollywood, há um ano que ficou referenciado pela singularidade criativa e grandeza das suas produções. Não uma época, mas um ano de ouro: 1939. O mundo assistia ao início de uma nova guerra, com a invasão da Polónia pelas tropas nazis, e o próprio cinema americano enfrentava, à sua maneira, a negritude dos tempos que se adivinhavam, reforçando as temáticas sociopolíticas. É essa a luz emanada por filmes como o western Cavalgada Heróica e A Grande Esperança (retrato do jovem Lincoln), de John Ford. Mas também por Peço a Palavra, de Frank Capra, com James Stewart na pele de um homem ingénuo no meio do cenário político corrupto de Washington, ou pela sofisticada comédia romântica Ninotchka, concebida com o "toque" especial de Ernst Lubitsch, e com Greta Garbo no papel de uma comissária soviética apaixonada pelo homem que, em princípio, nunca faria o seu género: um capitalista.
Mas aparte a urgência que caracterizava os tempos, um dos estímulos cruciais das grandes produções - aquelas que mais explicitamente consagraram esse ano dourado - estava na dimensão tecnológica. Com a consolidação do sonoro e da cor, o trabalho dos estúdios subia a patamares de qualidade nunca antes alcançados, produzindo, no mesmo ano, dois feitos incomparáveis: um peso pesado chamado E Tudo o Vento Levou e a fantasia musical O Feiticeiro de Oz, ambos com a assinatura de Victor Fleming (que substituíra George Cukor no primeiro, na sequência de incompatibilidades criativas com o produtor David O. Selznick).
Celebrizado no belíssimo tema Over the Rainbow, que fala de um lugar desconhecido para lá do arco-íris onde os sonhos se realizam, O Feiticeiro de Oz é o exemplo máximo do delírio visual veiculado pelo Technicolor, essa magia sem precedentes que nos prende o olhar no encanto de um imaginário de pura fantasia. Protagonizado por Judy Garland, que canta o referido tema musical (vencedor do Óscar), esta aventura de uma humilde jovem do Kansas é, afinal, a produção mais influente de todos os tempos - assim o confirmam uma série de estudos e estatísticas. E se dúvidas houver acerca do seu poder de maravilhamento, que o diga quem esteve na sessão natalícia da Gulbenkian, musicada pela orquestra
Entre outros filmes que nesse ano revelaram a crescente experimentação da cor, encontramos, por exemplo, Isabel de Inglaterra, de Michael Curtiz, com Bette Davis. Uma obra que permitiu trazer com fidelidade ao grande ecrã as características físicas da Rainha Virgem: aquele rosto extremamente pálido e o cabelo muito ruivo. Por sua vez, John Ford aproveitou o embalo dos tempos e realizou o seu primeiro filme Technicolor - Ouvem-se Tambores ao Longe -, despertando impressões que o espectador renovaria mais tarde em O Homem Tranquilo (1952), com o vestido verde de Maureen O"Hara.
No que toca às adaptações cinematográficas, e para além do emblemático romance de Margaret Mitchell que fez o milagre (falamos, obviamente, de E Tudo o Vento Levou), 1939 foi o ano de uma magnífica adaptação de O Monte dos Vendavais, de Emily Brontë, por William Wyler, com Merle Oberon e Laurence Olivier - filme que obteve oito nomeações para os Óscares, tendo ganho apenas o de melhor fotografia a preto e branco. Importante também foi o primeiro olhar lançado à literatura de John Steinbeck, autor marcado pelo tema da Grande Depressão, que Lewis Milestone levou à tela através do livro Of Mice and Men, no título em português, As Mãos e a Morte, por sinal, considerada a melhor adaptação desse texto.
Mas nem só em Hollywood se fez uma boa colheita. 1939 é o ano de obras tão fundamentais como A Regra do Jogo, do francês Jean Renoir ou O Conto dos Crisântemos Tardios, do japonês Kenji Mizoguchi. Em todo o caso, talvez a maior revolução desse ano tenha sido a gargalhada de Greta Garbo em Ninotchka.