Zoe Saldana, agora em carne e osso
Que alívio! Finalmente alguém com quem possa falar castelhano! Zoe Saldana está arrasada na maratona promocional de Colombiana, em Cannes. São entrevistas atrás de entrevistas, sessões de fotos, idas às televisões - um rebuliço que dura dois dias inteiros. Quando sabe que a entrevista é para Portugal pergunta se pode falar na sua língua materna. Na verdade, a actriz que ficou famosa de azul em Avatar cresceu na República Dominicana e ainda hoje se considera uma dominicana. E nos seus gestos e exuberância exala uma latinidade genuína. Fala com um entusiasmo transbordante, uma energia que não combina com o seu regime de papa-entrevistas. Por outras palavras, é tudo aquilo que uma estrela de Hollywood não costuma ser. Às duas por três, até parece que está realmente apaixonada por Colombiana, que foi ao Festival de Cannes na condição de parasita, ou seja, não foi seleccionado mas passou numa sessão privada apenas para chamar a atenção da imprensa. Realizado por Olivier Megaton e produzido e idealizado por Luc Besson (Vertigem Azul), Colombiana é um típico filme de acção com protagonista feminina, neste caso uma assassina profissional sexy e misteriosa. Uma colombiana paga para matar e não deixar rasto. Um papel para aumentar o estatuto de star de uma actriz que conheceu a glória como Neytiri, uma bela extraterrestre de Pandora, em Avatar. Agora, já sem efeitos visuais nem expressão corporal para o motion capture, podemos conhecer melhor o seu trabalho. Uma actriz de carne e osso com queda para o instinto animal: «Quando uma mulher vai pela via do silencioso fica sempre um pouco felina. Penso que compus uma personagem muito fugidia com um comportamento corporal algo parecido a uma cobra... Por outro lado, faz lembrar um lobo... até porque é bastante solitária.» Na tradição de heroínas que Besson criou em filmes como Leon - O Profissional e Nikita, esta colombiana é mais uma mulher de armas capaz de substituir o invariável herói de acção. Uma matadora que, acima de tudo, exigiu a Zoe Saldana uma forma física do outro mundo. Basicamente, no ecrã tem de ser sensual nos actos de violência. Por isso, tudo é estilizado. O realizador Megaton aposta nas câmaras lentas e no suor fabricado no rosto da actriz, tal como já acontecia a Angelina Jolie em Procurado. Mas a sua inspiração foram sobretudo as mulheres da sua família: «Em especial a minha bisavó e a minha avó. Fui buscar também muita coisa às minhas irmãs. Somos mulheres muito femininas e, ao mesmo tempo, marias-rapazes. Outras das minhas inspirações: Susan Sontag, alguém que foi completamente descomprometida ao assumir os seus ideais», refere.
Apesar de ser produzido numa lógica comercial para Hollywood, Colombiana é feito com dinheiro francês. Mais uma exportação da Europa Corp, a produtora de Luc Besson que surpreendeu tudo e todos com o sucesso nos EUA de Busca Implacável, veículo de acção com Liam Neeson em espiral de violência em Paris. O impensável aconteceu: os americanos foram surpreendidos em casa pelos franceses a fazer de Hollywood. Agora a fórmula é a mesma. Em vez do herói, uma heroína que pontapeia e dispara bazucas. Uma heroína interpretada por uma das actrizes mais belas do planeta. A propósito disso, Zoe afirma estar consciente do seu poder como mulher deslumbrante: «Sou uma mulher de negócios e sei que para continuar a fazer o que faço tenho de fazer alguns sacrifícios para me manter assim. Por exemplo, nunca me deito tarde. Enquanto os outros ficam descontraidamente num jantar até tarde, eu tenho de ir dormir. Também nunca bebo aquele copito extra de vinho - não posso! Sigo sempre a rotina de me deitar cedo, dormir bem e acordar cedo para ir ao ginásio! Só com essa disciplina é que consegui fazer uma personagem como a de Colombiana! Por outro lado, tenho conhecido pessoas que conseguem manter-se em forma e curtirem a vida ao mesmo tempo. Depende da constituição física de cada um.»
Antes da despedida e de seguir para a sua enésima entrevista do dia, Zoe confessa que o núcleo da sua expressão artística vem da sua alma de dominicana: «A minha origem dominicana é o que me marca! A minha família, dominicana até à medula, é o meu molde! Depois, há a comida, a cultura... tudo! O meu ADN é a República Dominicana. As origens são o mais importante, é o que nos define! Mas Nova Iorque, cidade onde nasci, também é importante.» E fica a dúvida: porque ainda não representou em castelhano? Resposta na ponta da língua: «Desde que comecei nesta vida é o que mais quero! Seria importante fazer um filme que a minha avó pudesse ver e perceber. Cada vez que ela vai ver um filme em que eu entro passa o tempo todo a perguntar-me o que estou a dizer. Peço-lhe para ler as legendas, mas diz-me sempre que não está para isso. Cresci a ver o Cantinflas com ela.»
Antes e depois de Avatar
Antes de Avatar, Zoe era uma esperança. Uma estrela em ascensão ou, como Hollywood gosta de referir, uma shooting star. O seu bónus era ser vista como a próxima «latina» mas que também podia ser a típica afro-americana para namorada do herói. Ao mesmo tempo, começou a ser comparada com Thandie Newton, actriz britânica que triunfou na fórmula dos estúdios americanos. O primeiro bilhete para o estrelato foi No Centro do Palco, um musical da Columbia Pictures que se revelou um autêntico fracasso de bilheteira. Não foi um começo com o pé direito mas valeu por conseguir colocá-la no mercado. E no limbo dos papéis de coadjuvante seguiram-se muitos títulos. Por incrível que pareça, passou despercebida no primeiro Piratas das Caraíbas mas em Terminal de Aeroporto, de Steven Spielberg, o seu pequeno papel foi muito notado. O próprio Spielberg não se cansou de lhe fazer elogios públicos. Um elogio do realizador de A Lista de Schindler chega para pegar o rastilho a uma carreira. Uma carreira que demorava tempo a arrancar em pleno.
ANTES
Adivinha Quem?, de Kevin Rodney Sullivan (2005)
O remake do clássico de 1967, Adivinha Quem Vem Jantar, com Sidney Poitier, inverte a situação. Agora, é Ashton Kutcher quem é apresentado pela namorada negra aos pais. Uma comédia sobre implicações racistas que coloca Zoe Saldana como a namorada do menino branco. O filme recebeu críticas insultuosas mas valia por mostrar uma actriz com leveza para comédias românticas. O facto de ser mais velha do que Ashton Kutcher também não ajudou à química entre o casal. Se o filme tivesse tido sucesso, outros voos mais altos se tinham seguido de imediato...
Ponto de Mira, de Pete Travis (2008)
Um thriller sobre uma tentativa de assassinato ao presidente dos Estados Unidos em plena praça principal de Salamanca. Contado sob diversos ângulos, não ficou particularmente na retina dos espectadores. William Hurt, Sigourney Weaver, Dennis Quaid e Matthew Fox eram as estrelas principais e Zoe Saldana interpretava uma repórter televisiva determinante na teia narrativa. Ainda assim, a actriz passava despercebida entre tantos talentos.
Star Trek, de J. J. Abrams (2009)
O primeiro grande papel da sua carreira e logo num dos grandes sucessos do ano. A actualização do mítico franchise, feito pelo wonderboy do momento: J. J. Abrams, realizador de Super 8 e criador da série televisiva Perdidos. E temos uma Zoe Saldana de grande impacte físico. A sua Uhura é de uma sensualidade diferente, como se as vestes espaciais lhe ficassem na perfeição... Curiosamente, uma interpretação feita depois de Avatar, na altura ainda em fase de acabamentos técnicos...
DEPOIS
The Words, de Brian Klugman e Lee Sternthal (2012)
Um dos mais falados argumentos a circular em Hollywood: a história de um escritor que paga o preço por ter roubado a obra a outro escritor. Um conto de plágio em que o peso do elenco conta: além de Zoe, os protagonistas são os dois actores do momento na América: Olivia Wilde (Cowboys e Aliens) e Bradley Cooper, fresquinho dos fenómenos A Ressaca. Deverá ser o filme que puxará mais pelos seus dotes dramáticos.
Os Perdedores, de Sylvain White (2010)
Baseado numa obscura banda desenhada da DC Comics, este era um filme de acção sobre agentes secretos que tentam descobrir quem os traiu numa missão na América Latina. Zoe interpreta uma agente com segredos... Ou seja, este foi o papel de heroína de acção para treino de Colombiana. Infelizmente para o seu status, poucos viram este filme feito para adolescentes americanos. Em Portugal foi directo para o DVD. Não se pode dizer que tenha feito mal à carreira. Foi apenas um ligeiro contratempo.
Morte num Funeral, de Neil LaBute (2010)
Logo depois de Avatar, a actriz foi vista numa comédia apenas pensada para o público afro-americano. Neste caso, a versão americana de Morte num Funeral, de Frank Oz, feito três anos antes em solo britânico. A mesma história, a mesma situação: as atribulações de uma família no funeral do seu patriarca. Um papel para vermos os seus dotes humorísticos. Como sempre, a actriz está impecavelmente produzida...