Zemeckis e o regresso ao passado

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O que restará, daqui a uns 50 anos, da memória concreta de filmes tão icónicos como Casablanca? Num rasgo de ceticismo, só me ocorre dizer: apenas o ícone em si. Um efeito de reconhecimento distante, que não irá além do cartaz ou da sintonia dos chapéus de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, no famoso plano do aeroporto. Uma espécie de turismo dentro das referências postais do cinema, sem que isso implique visitar a paisagem dramática dos filmes, conhecer as suas esquinas narrativas. A própria indústria, na emergência de novos conceitos cinematográficos, parece pouco empenhada em conservar o lastro do passado nas mais recentes produções... E a contrariar isso, eis que por estes dias Robert Zemeckis, logo esse entusiasta da modernização técnica, nos traz um filme de guerra no espírito da obra-prima de Michael Curtiz, situando os seus protagonistas em Casablanca, precisamente no ano de 1942.

Em Aliados, Brad Pitt e Marion Cotillard, estrangeiros um do outro, juntos numa missão de alto risco, simulam a condição de casal diante dos olhares circundantes. Fazem-no num calculado jogo de aparências, que desde o primeiro momento está condenado a sucumbir ao verdadeiro romance. Zemeckis acompanha a progressão da intimidade com uma incrível elegância clássica, ao mesmo tempo que lhe aplica a magia de Méliès - essa nervura dos efeitos especiais que afastam o seu cinema do propósito de naturalismo. A cena, inesquecível, em que os dois se entregam ao amor dentro de um carro fustigado por uma tempestade de areia será o ponto alto dessa destreza de Zemeckis, que, com toda a tecnologia do nosso tempo, fez um filme fora de moda. Talvez as palavras de Bénard da Costa sobre Casablanca não caiam mal a Aliados: "Se isto não for o cinema é porque o cinema não existe. Nem eu, nem tu. Nem nenhum de nós."

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