Yolanda Díaz quer "Somar", mas arrisca dividir a Unidas Podemos
A pouco mais de um ano das eleições espanholas (têm de se realizar até 10 de dezembro de 2023), a ministra mais popular do governo de Pedro Sánchez lançou as bases da plataforma política com a qual pretende unir os votos à esquerda dos socialistas. Yolanda Díaz, titular da pasta do Trabalho e vice-primeira-ministra, já apresentou o Somar, mas com ele arrisca dividir a aliança Unidas Podemos, que tem vindo a cair nas sondagens.
Na apresentação diante de cinco mil pessoas (segundo a organização), na praça Matadero, em Madrid, Díaz repetiu várias vezes que o seu projeto não tem a ver com partidos. Trata-se, afirmou, de "somar, dialogar, estender a mão e depois ser capaz de chegar a acordos para mudar a vida das pessoas". A ideia da vice-primeira-ministra é percorrer Espanha durante os próximos seis meses a ouvir os cidadãos sobre o país que querem para os próximos dez anos, de forma a montar o seu projeto político, culminando na apresentação de um "novo contrato social". Só depois decide se lidera ou não uma candidatura à chefia do governo - se tiver apoio para o fazer, já que defende um processo de primárias. "Corremos o risco de perder o país que queremos se não nos somarmos", referiu a também ministra do Trabalho espanhola, apelando à mobilização de toda a esquerda.
A grande incógnita é qual será o papel do Podemos, cuja marca está desgastada - a aliança Unidas Podemos, que inclui a Esquerda Unida, tem vindo a perder peso nas sondagens. As últimas pesquisas de opinião colocam a Unidas Podemos com cerca de 10% nas intenções de voto e 25 deputados (atualmente tem 33), com o Partido Popular a ganhar força com o novo líder, Alberto Núñez Feijóo, surgindo com 30% e 130 deputados. O PSOE tem 25% e elegeria 98 representantes, sendo que o Vox, da extrema-direita, chegaria aos 15%, com 47.
"O Podemos nasce da impugnação e eu parto da construção", disse Díaz numa entrevista ao El País, defendendo que o partido formado por Pablo Iglesias "sempre se sentiu muito cómodo no não". Palavras que não agradaram a muitos dentro do partido - ela também disse que falta "alma" ao governo.
Díaz quer recuperar o espírito das manifestações dos indignados de 2011 que estiveram na génese do partido, com o diálogo que marcou as assembleias de cidadãos e que são a base para o seu projeto - que realizou o seu primeiro "ato de escuta" no Bairro de Lavapiés, em Madrid, na sexta-feira, sobre questões ecológicas.
Quando Pablo Iglesias anunciou a sua saída da política, após o desaire eleitoral em Madrid, apoiou Díaz - militante do Partido Comunista de Espanha, que chegou a ser coordenadora da Esquerda Unida - como nova líder da aliança no governo e futura candidata eleitoral. E promoveu-a para lhe suceder como vice-primeira-ministra. Mas ela tem procurado afastar-se da imagem do ex-líder, que já veio a público lembrar que foi graças à insistência do Podemos em governar que ela se converteu em ministra e ganhou o destaque que tem agora. Ela respondeu que são as pessoas que escolhem os líderes.
Díaz, que é a ministra mais popular do governo de Pedro Sánchez (tem a aprovação de 37,7% dos eleitores, acima dos 33,5% do primeiro-ministro) e agrada até a muitos socialistas, representa uma "tábua de salvação" para o Podemos, escreveu a agência EFE. "Por enquanto, permitem que avance sem choques abertos, mas não se resignam a deixar de ser uma peça-chave numa eventual candidatura da vice-primeira-ministra, tendo em conta que são a força maioritária na Unidas Podemos", não querendo perder protagonismo e poder.
Já houve choque nas eleições na Andaluzia, onde foi a candidata escolhida por Díaz e a Esquerda Unida que encabeçou o projeto, com resultados abaixo do esperado, tendo a negociação falhado de tal forma que o Podemos não estava na coligação, porque tinham passado os prazos oficiais (surgia apenas como apoio externo).
Díaz nasceu há 51 anos em Fene, na Galiza, sendo filha e sobrinha de históricos sindicalistas da região, pelo que a política sempre fez parte da sua vida. Estudou Direito na Universidade de Santiago de Compostela, tendo feito pós-graduações em Urbanismo, Relações Laborais e Recursos Humanos.
Filiada no Partido Comunista, candidatou-se à Xunta pela federação Esquerda Unida (que coordenou entre 2005 e 2017) e depois foi número dois do presidente da Câmara de Ferrol. Foi ainda deputada no Parlamento da Galiza, antes de saltar, em 2016, para o Congresso e a política nacional pelas mãos da coligação En Marea e, depois, da marca Unidas Podemos. "Perdi a conta por quantos partidos já passou", ironizou o líder do PP em relação ao lançamento do Somar.
Após o acordo de governo com o PSOE, Díaz foi nomeada ministra do Trabalho e da Economia Social em janeiro de 2020, sendo promovida a vice-primeira-ministra com a saída de Iglesias, em maio de 2021. Entre as principais conquistas no cargo, o aumento do salário mínimo até aos 965 euros, o fim dos despedimentos por baixa médica ou a nova Reforma Laboral. É casada e tem uma filha.
susana.f.salvador@dn.pt