Xi Jinping saiu do 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) com um poder praticamente absoluto, visto pela maioria dos sinólogos como um regresso aos tempos de Mao Tsé-Tung. O poder partilhado e as decisões colectivas, fórmula criada pelo PCC para evitar a repetição dos excessos do ditador, foram desfeitos pelo novo senhor de toda a China. Xi Jinping rodeou-se de fiéis e correu com quem lhe pudesse fazer o mínimo de sombra. Se o afastamento do actual primeiro-ministro, Li Keqiang, foi surpreendente (nem sequer fará parte do Comité Central), ainda mais difícil de perceber foi a intenção do afastamento do ex-presidente Hu Jintao, de forma humilhante e à vista de todos. O crescente poder de Xi Jinping, num país com quase um bilião e meio de pessoas e a segunda maior economia do mundo, com os Estados Unidos como único rival de peso, faz do secretário-geral do PCC o homem mais poderoso do mundo. Em nenhuma democracia ocidental é possível uma tão significativa acumulação de poder num só homem..Há várias razões para temer que o homem mais poderoso do mundo possa ser também o mais perigoso do mundo, a primeira das quais é a certeza de que várias cabeças pensam melhor do que uma. Se o país volta à lógica, ainda que sem o título, de ter um Líder do Povo (insubstituível e infalível), corre o risco de ter um líder a quem só dizem o que ele quer ouvir. Não ter pesos e contrapesos no processo de decisão fará com que as decisões tenham um sentido único, corrigindo eventuais erros com outros erros..A ideia de uma China promotora da paz e empenhada na globalização e no desenvolvimento económico, fruto das reformas de Deng Xiaoping, está ser trocada por um regresso do controle total da economia pelo Estado e pelo empenho nas questões de segurança, tanto internamente como de forma global. É certo que em Hong Kong e Macau continuará a haver mão-de-ferro, confirmando que a fórmula "um país, dois sistemas" já teve melhores dias. Em relação a Taiwan só se deve esperar maior intolerância em relação a qualquer movimento que possa parecer a concretização de um caminho para a independência. Xi Jinping promete continuar a modernizar o exército chinês e repete exaustivamente que usará a força para defender os interesses de Pequim..Olhando para a história de Xi Jinping pode parecer estranho que ele se tenha revelado tão empenhado em imitar o tirano que não poupou a sua família. Ou não, porque a vida está carregada de exemplos em que a vítima acabou por se transformar em carrasco. Ele nasceu apenas quatro anos depois de Mao chegar ao poder e o seu pai, Xi Zhongxun, era um membro destacado do partido, tendo chegado a exercer funções governativas ao mais alto nível. O pai, visto como um liberal para os padrões da época, acabou mais tarde por ser uma das vítimas da Revolução Cultural. O próprio Xi, então com 13 anos, perseguido pelos jovens maoistas e denunciado pela mãe, acabaria por ser mandado para o campo para ser reeducado. Foi para evitar esta arbitrariedade que, após a morte de Mao, os dirigentes comunistas procuraram que o poder não voltasse a estar todo nas mãos de um homem. Falharam e Xi Jinping venceu. A diferença é que a China tem hoje um poder económico e militar incomensuravelmente maior que o que tinha há 50 anos. A República [Popular] da China fará 75 anos em 2024 que se encontra dividida, é bem provável que Xi Jinping queira celebrar essa data com o país reunificado, superando Mao Tsé-Tung como o grande Líder do Povo. O perigo espreita.. Jornalista