Willem Dafoe nos subúrbios da Disneylândia
Cinema social com poesia infantil como forma de escape. Mas qual é o escape do novo filme de Sean Baker, cineasta "sensível" que tinha feito uma pequena delícia chamada Tangerine, a tal experiência rodada em smartphone? Porventura, a possibilidade do sonho humano perante a miséria social desta América pós-Obama, onde um dos maiores flagelos é o aumento da população sem-abrigo. Em The Florida Project acompanhamos sem rédeas narrativas impostas o percurso de uma mãe solteira e da sua filha de 7 anos num motel de Orlando, paredes-meias com os parques Disney. Um motel onde grande parte dos clientes tenta sobreviver diariamente antes do inevitável destino das ruas. De um lado o Rato Mickey, do outro a pobreza extrema. A réstia da esperança humana está no rosto magoado do gerente do motel, um Willem Dafoe despido de técnicas de representação e em disponibilidade total com um ideal de reação.
Quando no Festival de Toronto começamos uma breve conversa com o ator que neste ano está nomeado aqui ao Óscar de ator secundário, começa por nos dizer que ainda continua a surpreender-se com o seu trabalho: "O alvo em cinema é algo que está sempre em movimento e eu próprio também estou em mudança. Sou um ator que está sempre a fazer coisas diferentes. Tenho um belo trabalho, todos os dias é uma coisa nova. Não me identifico nada com aqueles atores que a meio da rodagem já dizem: "Apanhei a personagem." Comigo não funciona assim. O que se passa no meu caso é essa ideia de me dirigir em busca de algo e nunca de chegar. Prezo mais a qualidade da busca."
Uma busca a planar pelas dádivas do improviso perante o acting indisciplinado da pequena Broklynn Prince, sem margem para dúvidas uma das melhores interpretações de uma criança no recente cinema americano. Dafoe arriscou neste projeto. E petiscou: "Quando começo um projeto, seja ele qual for, estou sempre otimista! A sério, quando vou começar um filme nunca faço muitas projeções sobre qual vai ser o resultado final, prefiro sempre o processo. Faço sempre perguntas egoístas: será que isto vai ser desafiante? Será que me vou divertir? Será que vou gostar destas pessoas? Parti para este filme modesto mesmo muito otimista. Creio que The Florida Project é muito equilibrado: tem conteúdo mas também sabe entreter. Um objeto muito pesado que, ao mesmo tempo, tem a doçura e a leveza das crianças."
O ator americano tem dito que o truque aqui foi jogar com o real e não se preocupar propriamente com um tom de registo. O seu empregado de motel, vítima do sistema, é o "adulto" do filme, a voz da razão. "Filmámos num motel verdadeiro e isso muda tudo. Foi tudo muito prático. Como interpreto um gerente de motel, fiz tudo o que um gerente de motel faz. Basicamente, o que fiz foi reagir", acrescenta.
Na sala ao lado, uns momentos depois, Sean Baker revela que sem Willem Dafoe não haveria o filme: "A partir do momento em que o Willem ficou interessado no projeto, foi bem mais fácil arranjar o financiamento. Enfim, é este o sistema do cinema americano... tão simples como isso. Devo-lhe muito, apesar de tentar sempre evitar caras conhecidas nos meus filmes."
O realismo de Baker tem tanto de discurso sociopolítico como de imersão gigante nos rituais do lugar da infância. Literalmente, ficamos dentro do espaço lúdico destas crianças que brincam nas imediações das estradas da Disneyworld. À partida, não é material com potencial para os chamados prémios institucionais da awards season, mas The Florida Project marcou presença em muitas dessas cerimónias e está, através de Willem Dafoe, na corrida aos Óscares. E, em setembro passado, esse buzz já se adivinhava, coisa de que Baker não estava à espera: "Claro que é inesperado, mas, por outro lado, é muito bom sentir tanto amor das pessoas... Sabe bem ver os meus amigos do liceu comentarem toda esta aclamação. Tal como em Tangerine, tentei com humor chegar ao maior número de pessoas possível." Afinal, os cineastas indie americanos gostam do mimo dos Golden Globes, das guildas e, sobretudo, dos Óscares, mesmo quando na Quinzena dos Realizadores de Cannes desfile excentricidade com o seu cachorrinho no colo.
Willem Dafoe, que muito em breve vai ser visto como Vincent Van Gogh no novo de Julian Schnabell, gosta tanto de The Florida Project, que em setembro confessava que iria com o filme a todo o lado: "Este é daqueles que me dão prazer promover. Estou tão feliz pela resposta positiva que está a gerar..." E não estava a mentir. Não há uma cerimónia de prémios que não apareça com o seu rosto sorridente de derrotado conformado. No próximo dia 4, na cerimónia dos Óscares, Sam Rockwell deve roubar-lhe pela terceira vez o Óscar. Se isso não acontecer, é ele quem ganha. A chamada alternativa justa...
Em Toronto