Voto no Curdistão iraquiano aumenta tensões regionais
"Esta é uma oportunidade que a minha geração não voltará a ter", dizia no final da semana Hoshyar Zebari à Reuters, a propósito do referendo sobre a independência do Curdistão iraquiano marcado para hoje. Zebari considerou estar-se "perante os últimos metros do sprint final antes de sermos senhores de nós próprios".
Para os mais de seis milhões de curdos residentes no Norte do Iraque e noutros pontos deste país, a votação de hoje (sem caráter vinculativo, contudo) surge como o primeiro passo para este grupo étnico se dotar de um Estado independente. Sob domínio do império otomano, após a dissolução deste no final da Primeira Guerra Mundial, os curdos acabaram por ser dispersos pela Turquia e por outros países da região, nunca lhes tendo sido reconhecido o direito a constituir um Estado soberano.
A pergunta a que os eleitores têm de responder é: "Concorda que a região do Curdistão e as áreas adjacentes fora da jurisdição administrativa da região se tornem um Estado independente?" O dia de hoje foi declarado feriado nacional.
Mas o referendo organizado pelas autoridades de Erbil, capital do Curdistão iraquiano, está a provocar antagonismo generalizado nos países da região e em Bagdad. Para o primeiro-ministro turco, Binali Yildirim, a iniciativa é sinónimo de ameaça à segurança nacional e Ancara organizou exercícios militares na fronteira com o Curdistão para sublinhar a sua posição. Por seu lado, o chefe do governo iraquiano, Haider al-Abadi, garantiu que Bagdad nunca aceitará, "nem agora nem no futuro", um referendo sobre a independência, por ser contrário à Constituição do país. E Al--Abadi prosseguiu, em tom ambíguo, que, a suceder, fica "aberta uma porta" para se "verter o sangue de iraquianos", ainda que tenha acrescentado não ser sua intenção que isto "alguma vez aconteça". Para o governante de Bagdad, negociações com Erbil só são possíveis no quadro de "um Iraque unificado".
Para Zebari, que é um dos principais conselheiros de Massoud Barzani, presidente da região do Curdistão desde 2005, seria "suicídio político" para o governo de Erbil suspender a realização do referendo sem garantias firmes de Bagdad de que este poderia realizar-se com carácter vinculativo após negociações entre as duas partes.
Além da natural oposição de Bagdad e dos receios de contágio que causa na Turquia, Irão e Síria, a realização do referendo foi também criticada pelas Nações Unidas, Estados Unidos e Reino Unido. Os ministros dos Negócios Estrangeiros de Ancara, Bagdad e Teerão reuniram-se na passada semana e anunciaram uma posição "conjunta" contra o referendo e prometeram "contramedidas" após a sua realização, sem mais detalhes.
A ONU afastou a hipótese de enviar observadores para a votação e Washington considerou o referendo uma iniciativa "provocatória e desestabilizadora", insistindo na realização de negociações entre Erbil e Bagdad. Existem também receios de que, a prosseguir na exigência de independência, as autoridades de Erbil comprometam o esforço militar contra o Estado Islâmico (EI) no Iraque e incentivem tensões étnico-religiosas entre a comunidade curda e a árabe no país.
No último comício da campanha pelo "sim", sexta-feira em Erbil, o presidente Barzani criticou as posições da ONU e dos EUA, declarando que "eles elogiam os sacrifícios dos peshmerga (designação das forças de segurança curdas que combatem o EI) mas não querem admitir que os peshmerga e as famílias dos nossos mártires decidam o nosso destino". Para Barzani, o papel dos peshmerga, em paralelo com tudo aquilo a que as populações curdas foram sujeitas durante a ditadura de Saddam Hussein, em especial nos anos 1880, são alicerces suficientes para ser legítimo o desejo de independência da região.
As aspirações dos curdos iraquianos assentam, por outro lado, em importantes recursos económicos da região, desde logo o petróleo, principal fonte de rendimentos, a que se segue a agricultura e uma nascente indústria de turismo. Erbil quer passar a produção petrolífera dos atuais 650 mil barris/dia para um milhão de barris/dia nos próximos três anos. Objetivo que o controlo de Kirkuk (que se situa fora das fronteiras do Curdistão, mas abandonada pelo exército iraquiano em 2014 durante uma ofensiva do EI), com as suas substantivas reservas de crude, torna ainda mais fácil. No fundo, é o controlo das riquezas da região o que motiva, em muito, os políticos em Erbil e Bagdad.
[artigo:8778747]