Votar com esperança de não acordar num pesadelo
Na noite eleitoral de 2015, os britânicos adormeceram com o então primeiro-ministro David Cameron como vencedor das sondagens à boca das urnas, mas acordaram não só com a vitória conservadora, mas também com uma maioria dos tories. Daí que ontem, depois de votarem, os eleitores dissessem ser preciso esperar pelo despertador independentemente do que se soubesse às 22.00, quando as urnas fechassem. Para alguns, seria acordar para um pesadelo uma maioria reforçada da primeira-ministra Theresa May. Para outros que ela perdesse a maioria.
"Votámos conservadores porque sentimos que são o partido mais forte para o futuro dos britânicos, para a nossa segurança e para a nossa economia", disse Olga, de 49 anos, que votou com a mãe e o marido em Kensington, no oeste de Londres. "Os tories são o único partido em que podemos confiar", resumiu a proprietária de uma imobiliária, dizendo acreditar que May vai ter a maioria que deseja no Parlamento. Algo que Simon, Alex, Tim ou Rebecca queriam ontem travar, votando Labour, Liberais--Democratas, Verdes ou independente.
Simon andava no exterior da assembleia de voto em Ladbrooke Grove a tentar tirar uma foto com o copo de café do Starbucks, onde estava escrito "vota Labour" seguido de um smile, e os cartazes em que se lia "polling station". Funcionário de uma companhia aérea, 34 anos, confirmou o voto nos trabalhistas, dizendo ser porque tem "consciência social" e por ser o partido que está "mais próximo" daquilo que acredita. Estava contudo consciente de que seria difícil ganhar, reconhecendo que um Parlamento dividido já seria uma vitória. "Para que nenhum partido tenha o direito absoluto de decidir como as negociações do brexit vão decorrer", indicou.
Em Kensington, Tom, que tem 27 anos e trabalha num bar, concordava: "A prioridade é tentar que os conservadores fiquem de fora ou pelo menos diminuir a maioria deles. O máximo possível. Só não quero que a maioria seja esmagadora." O seu voto foi por isso para o Labour, que acredita ser a "única oposição realista aos conservadores", mesmo se "Corbyn tem as suas fraquezas".
Enquanto empurrava o carrinho do bebé recém-nascido, Ciara Todd explicava ao outro filho o que acabava de fazer: votar. A chef a tempo parcial contou que votou no Labour e não conseguiu evitar ficar emocionada ao falar das eleições, tal era a esperança que tinha no resultado. "Da última vez também votei Labour, mas o meu coração não estava verdadeiramente com eles. Teria votado nos Liberais-Democratas se houvesse uma hipótese de travar os tories. Mas agora, pela primeira vez, acredito mesmo no candidato trabalhista, acredito mesmo em Jeremy Corbyn." Tanto Kensington como Fulham e Chelsea são circunscrições onde os conservadores têm ganho sem problemas. "Tenho pena disso. Gostava que as pessoas ouvissem Corbyn em vez de se limitarem a dizer que ele não tem carisma ou que não tem fatos finos. Não é isso que importa", explicou Ciara, de 36 anos.
À saída da ventosa assembleia de voto de Kensington, Rebecca admitia que o líder trabalhista "provou ser muito melhor do que se achava" e fez uma campanha muito boa. "Mas, apesar de o meu coração estar no Labour, acho que os números no programa trabalhista não batem certo, as contas não batem certo." Daí esta arquivista de 58 anos ter decidido votar num independente. Já Edward, 19 anos, e a votar pela primeira vez, resolveu "dar-lhe uma hipótese" por acreditar no que Corbyn quer fazer, sobretudo pelos estudantes como ele. "Os conservadores não podem ter muito poder. Mais do que tudo, acho que é bom haver diversidade política", acrescentou.
Tim, de 18 anos, e também a estrear-se na hora de votar, optou pelos Verdes. "Infelizmente voto numa circunscrição considerada segura para os conservadores, pelo que decidi fazer um voto pelo ambiente. Se vais desperdiçar o teu voto, mais vale fazê-lo por algo em que acreditas", contou o estudante. No Reino Unido, os eleitores votam pela circunscrição e ganha o candidato que tiver mais votos (basta um de diferença). O líder do partido que conseguir a maioria no Parlamento será primeiro-ministro.
Alex, que se descreveu como um "freelancer velho", optou pelos Liberais-Democratas: "São o único partido verdadeiramente europeísta. Espero que tenham um bom resultado, para poderem ser uma boa oposição", explicou. "Esta foi uma eleição entre um partido nacionalista conservador à direita e um populista económico à esquerda", lamentou à saída da biblioteca infantil de Ladbrooke Grove.
Fiona, que votou conservadores, também criticou a política trabalhista. "Se o Labour ganhar vai arruinar o país, sem dúvida. Não confio nada no Corbyn", afirmou. A reformada de 75 anos admite que a economia agora não está boa, falando de problemas por causa do brexit, mas lembrando que isso será só temporário e que Theresa May é a única que poderá conseguir "um bom negócio" para o Reino Unido.
Numa escola junto a Holland Park, a candidata dos Liberais-Democratas por Kensington, Annabel Mullin, antecipava "um bom resultado em termos de votos, mas não tão bom em termos de deputados". Contudo, explicou que mais votos significa maior atenção dos media e mais dinheiro. A sua esperança era que May não conseguisse uma vitória esmagadora, porque assim o seu partido teria "maior influência". E uma nova coligação com os conservadores? "Está fora de questão uma coligação com Theresa May, mas pode não estar fora de questão com indivíduos mais moderados do Partido Conservador ou do Partido Trabalhista", admitiu, considerando que as atuais lideranças são "extremistas".
Enviada a Londres