Volte sempre, professor
Senhor professor Cavaco Silva, quero começar por saudar a carta aberta que escreveu ao primeiro ministro António Costa, que o Observador teve a gentileza de publicar esta semana. Aos que se queixam das insuficiências da nossa democracia, contraponho exemplos como o seu, pois é sempre saudável que um antigo presidente felicite publicamente o líder político que, em eleições legislativas, mereceu a confiança da maioria absoluta dos eleitores. Essa assertividade republicana, veio acompanhada de um inequívoco sinal de vitalidade, pois não adiou a tarefa, apresentando democraticamente os parabéns num tempo recorde de cento e vinte dias.
Ouvi, aqui e ali, alguns comentadores a sugerir que a carta que dirigiu ao primeiro-ministro foi um gesto de narcisismo. Diziam que não estava bem que Cavaco falasse de Cavaco e que o título da missiva, também ele contendo Cavaco, era sinal de ego-qualquer coisa, não me recordo exatamente. Contestei. Não, o professor até tinha concedido que Costa era agora seu colega no míster de conquistar maiorias absolutas. É certo que ambos beneficiaram de umas benesses, assinadas por renovadores, comunistas e bloquistas. Mas o professor alcançou um segundo êxito, que nos recordou ter sido por mérito da obra realizada pelo seu governo. Concordo, até porque me lembro bem da enxurrada de dinheiro que chegou dos primeiros fundos, que mexeu com um país que não tinha um centavo para investimento público. Eles não sabem, professor, mas o betão e as rotundas eram muito mais difíceis que estas coisas modernas do investimento, da tecnologia, das alterações climáticas, das pandemias e por aí fora. E nem pela cabeça lhes passa quão exigente foi dizimar a pesca e agricultura nacionais, apesar do forte apoio de Bruxelas, dos espanhóis e dos franceses.
O que importa é que o professor, na imensidão da sua generosidade, estabeleceu que o atual primeiro-ministro é capaz de fazer mais e melhor com a maioria absoluta e não precisa de ter complexos. Do que conheço de António Costa, que me perdoará esta inconfidência, estou certo que muito beneficiará deste reforço positivo, melhorando na autoconfiança e, ainda mais importante, dormirá bem melhor. Sem complexos nem pessimismos.Gostei também que o professor desse um puxão de orelhas aos políticos atuais de meia tigela, Rio incluído, que nunca perceberão a dignidade e o sentido do interesse nacional que se observou, por exemplo, na cerimónia em que assinou com o líder do PS um acordo de revisão constitucional. Sim, porque foi essa devoção à Constituição que fez com que o professor, enquanto presidente, desse posse ao XX Governo, liderado por Passos Coelho. Bem sei que durou só 12 dias, vergado por uma geringonça. Que de resto, sabia-o bem o professor, laborava na impossibilidade de honrar os compromissos internacionais de Portugal e, em simultâneo, reverter a austeridade. No fim, tiveram sorte, ao iniciar uma sequência de anos de crescimento acima da média europeia, só interrompida pela pandemia. E tiveram também alguma fortuna ao reduzir o desemprego para metade, anular o défice e, qual exagero, aumentar o salário mínimo à bruta.
Apesar de retirado da vida política, o professor sabe que a sorte de principiante do seu colega António Costa não pode durar para sempre, pelo que ficamos mais descansados ao saber que preserva os seus direitos cívicos. Volte sempre, professor.
Professor catedrático