Falar de centralismo neste país de salamaleques e vénias constantes ao poder passou a ser "chato". Ou melhor, os que falam de centralismo são uns "chatos". Já não é apenas a resposta básica que começa com um "não há centralismo nenhum" e que termina com o mais que certo "vocês é que são uns provincianos". Passou a acrescentar-se o "não temos paciência para essa conversa", mais ainda se quem se queixa vive e trabalha em Lisboa. Como é que os que, como eu, ganham a vida trabalhando em Lisboa se atrevem a apontar-lhe o dedo? Para os que vivem curvados perante o poder (honra lhes seja feita, a curvatura mantém-se seja qual for o poder) a pergunta faz todo o sentido. A mim, por mais de uma vez, me mandaram de regresso à minha terra..Os curvados não entendem que seja possível criticar uma injustiça, mesmo quando de alguma forma somos beneficiários de decisões que afetam negativamente os cidadãos do restante país. Por exemplo, a companhia TAL (Transportes Aéreos de Lisboa) existe para servir uma teoria empresarial do setor, segundo a qual só pode sobreviver se for paga por todos, mas servir essencialmente quem vive na capital. Logo eu, que vivo com a minha mulher e as minhas filhas em Lisboa, devo agradecer, porque parto de Lisboa para conhecer o mundo e regresso a Lisboa. Fazendo o contrário, criticando as decisões do poder central, o que deveria decidir em coerência era regressar à minha terra..Se me indigno com a campanha suja feita contra as pessoas do Porto e do norte por órgãos de comunicação social de Lisboa, por causa de um clube de futebol do qual sou adepto, não sou digno de viver na capital..Há dias ouvi a entrevista de Rui Vilar a Francisco Pinto Balsemão, no podcast "Deixar o Mundo Melhor", em que o ex-líder da CGD e da Fundação Calouste Gulbenkian, entre muitas outras coisas, salientava que "o espírito liberal e criador que se encontra no Porto" se deve ao facto de "não ter os favores da proximidade do poder". É o do Porto, acrescento eu, como é o de muitas outras regiões do país, onde nasceram pessoas que, vivendo em Lisboa ou fora dela, não vivem de favores..A crítica que se faz ao centralismo de Lisboa não é uma crítica às gentes de Lisboa. É aos que aqui nasceram e aos que vieram do Minho, de Trás-os-Montes, das Beiras, do Ribatejo, Alentejo, Algarve, de todos os outros lados e que ficam incapazes de ver um pouquinho que seja para lá do mundinho que habitam. Era bom que esses, quando chegam ao poder, fossem capazes de regressar à sua terra, sem ser para mostrar o fato, o carro e o motorista. Fariam melhor se procurassem humildemente perceber o que faz falta a quem vive fora de Lisboa, como pensa quem vive fora de Lisboa, como pode quem vive fora de Lisboa ajudar o país..Quando me mandam de volta à minha terra, também eu digo que estou na minha terra. Sou um lisboeta nascido no Porto. Sou lisboeta com orgulho, porque nunca deixei de ser do Porto. E nunca deixarei de combater o centralismo que existe em Lisboa para servir uns curvados que tanto nasceram aqui, como no norte, no centro ou no sul de Portugal.. Jornalista