"Vitória de Wilders seria equivalente ao terramoto de 1755"
O escritor José Rentes de Carvalho vive na Holanda há 60 anos e diz que esta é a primeira vez que constata que na política do país alguma coisa promete mudar. Mas, acrescenta logo depois, "não muito, porque a mentalidade nacional é avessa a grandes mudanças". Nem ele nem Bruno Costa ou Tiago Teles, outros dois portugueses que lá vivem, ou os holandeses Pien Keizers ou Erik Lieshout acreditam naquilo que meia Europa teme que possa acontecer: um governo do Partido para a Liberdade (PVV, na sigla holandesa), de Geert Wilders, já que mesmo que ele ganhe as eleições de hoje, ninguém quer fazer uma coligação com a extrema-direita.
"Uma vitória de Wilders seria equivalente ao terramoto de 1755 em Lisboa", explica o escritor de 86 anos que olha para o crescimento do partido populista (anti-imigração e antieuropeísta), como "o sintoma de uma irritação crescente contra a atitude da classe política". Na sua opinião, todos os partidos, sem exceção, "têm gasto décadas com a cabeça nas nuvens no que diz respeito ao interesse legítimo dos pobres, idosos, reformados ou da classe média baixa", tendo-se estes dois últimos grupos tornado "uma espécie de vaca leiteira, que se ordenha para tapar os buracos". Ao mesmo tempo, alega, "há sempre verbas para oferecer aos refugiados um apoio que aos nacionais é negado".
Por ter dupla nacionalidade, Rentes de Carvalho pode votar. E o seu voto vai precisamente para Wilders, que considera um político "simpático, corajoso e inteligente", lembrando que ele vive há 12 anos com segurança constante, o que compara a uma pena de 12 anos de prisão. "O problema, pelo menos o meu, é que ele não pode realizar o que promete, de maneira que votar no seu partido é uma forma de protesto." Esperando ainda assim um "resultado espetacular" do PVV, o escritor explica contudo que o partido "pouco mais poderá fazer do que alimentar uma oposição incómoda e, possivelmente, forçar de certa maneira algumas mudanças".
Governo de coligação
São 28 os partidos que concorrem às eleições e tudo indica que metade deles consiga eleger deputados para a câmara baixa do Parlamento. "Ao contrário do que estamos habituados em Portugal, aqui na Holanda são muitos os partidos que elegem deputados, portanto o PVV mesmo podendo ser o mais votado terá só por volta de 20% de deputados", explicou Bruno Costa, de 39 anos, há seis anos na Holanda. "Como todos os outros partidos afirmaram que não formarão governo com Wilders, é muito provável que o governo venha do segundo partido mais votado que recebe o apoio, por coligação ou não, de vários outros partidos", acrescentou o engenheiro de suporte técnico.
Isso não significa contudo que Wilders não influencie o futuro executivo, que para "apaziguar" os eleitores do PVV pode tomar medidas mais populistas. Em janeiro, o primeiro-ministro e candidato do Partido Popular para a Liberdade e Democracia (VVD), Mark Rutte, publicou uma carta aberta com um aviso aos imigrantes: "Comportem-se normalmente ou vão-se embora." E na véspera da eleição complicou as relações com a Turquia, não autorizando a entrada de dois ministros que iam fazer campanha pelo referendo turco, pois não podia ser visto como alguém que cedia diante do presidente Recep Tayyip Erdogan.
Ao DN, o cineasta holandês Erik Lieshout, de 39 anos, disse concordar que o futuro governo (mesmo sem Wilders) pode sentir que tem de implementar partes do que ele defende - como travar a imigração. "Mas acredito que isso não seja por convicção ou ideologia ou porque acham que os seus eleitores têm de ser ouvidos. Não. Será por oportunismo político, para que o cenário em que Wilders regresse mais forte nas próximas eleições não se desenrole", contou.
Seja como for, "os holandeses mais nacionalistas e xenófobos vão sentir-se mais revigorados e iremos assistir a mais discursos contra estrangeiros, sobretudo muçulmanos", acredita Bruno Costa. "Não vejo grandes mudanças radicais mas acredito que, durante algum tempo pelo menos, certa parte da sociedade se torne um pouco menos tolerante", referiu, lembrando que este tipo de discurso "é mais comum do que pode pensar quem está de fora e vê a Holanda como um país muito liberal e tolerante".
Discurso do nós contra eles
"O cidadão comum sente-se incomodado com determinado perfil de estrangeiros, pobres, sem estudos, que não trabalham, e Wilders exagera esse discurso e apela a esse sentimento", explica Tiago Teles, de 34 anos, há seis na Holanda. "Cada vez que há um assalto ele consegue passar a mensagem que um marroquino fez um assalto, não que um desempregado com fome fez um assalto", disse o gestor de tecnologias de informação de um banco.
Para Erik Lieshout, "especialmente no caso da postura anti-islâmica, há claramente a tentativa de Wilders de arranjar bodes expiatórios". O seu encanto junto do eleitorado passa precisamente pelo modus operandi. "Ele está sempre a falar no "nós" e no "eles"", explica, lembrando que "eles" podem ser os muçulmanos, mas também os políticos de esquerda, a elite, a Europa. "Wilders esforça-se por fazer a distinção entre "nós" e "eles" e isso, junto com a sua posição autoritária do "deixem comigo", atrai os seus apoiantes, que querem que as coisas mudem ou voltem a ser como foram", refere.
Lieshout, que trabalha como editor de vídeo e designer para organizações não governamentais, defende que "o remédio mais potente para combater o populismo é reduzir os níveis de desigualdade, porque se dermos a todas as pessoas oportunidades de ganhar um salário decente e ter orgulho no que fazem, não teríamos o terreno fértil para o populismo que vemos hoje".
"O meu namorado é muçulmano"
Pien Keizers tem 27 anos e vive em Oldenzall, uma pequena cidade no Leste da Holanda, e admite que o populismo de direita a assusta. "Não sou contra a direita, não me considero de esquerda, mas considero-me humana", explica ao DN. Olhando para os dados da criminalidade parece que muitos responsáveis vêm dos países islâmicos, mas Pien não vê a ligação entre o Islão e o crime. "O meu namorado é muçulmano, eu sou cristã. Para mim, as diferentes religiões tornam a nossa relação mais valiosa", acrescenta, lembrando que aquilo que Wilders tem defendido é que "o islão é perigoso e que os valores holandeses vão desaparecer".
Muzaffer, o namorado de Pien, não consegue dar um exemplo da discriminação de que é alvo. "É mais um sentimento", justifica ela, já que por ser muçulmano tem de dar mais provas do que os outros. "Eu sinto que quando as pessoas falam mal dos muçulmanos ou dos turcos tenho de lhes lembrar que o meu namorado também pertence a este grupo. A resposta é normalmente, "não, ele é holandês". Isto dá-me sempre a sensação de que têm esta reação porque o meu namorado é um homem simpático, que está bem integrado na sociedade. Como se não pudesse ser um muçulmano ou um turco e um homem bom ao mesmo tempo", refere.
A jovem que trabalha na gestão de uma empresa internacional de produção industrial recorda também que apesar de todo o medo do discurso de Wilders, a verdade é que muitas coisas que ele quer são impossíveis. "Ele quer fechar as mesquitas e banir o Alcorão, mas isso entra em contradição com a Constituição, que diz que todos os cidadãos são livres de ter a sua fé", conta.
Regressar não está nos planos
Nem Tiago Teles nem Bruno Costa planeiam deixar a Holanda brevemente. Ambos vivem com as mulheres e têm dois filhos, os mais novos já nascidos neste país. A única coisa que faria Bruno repensar os planos era se começassem a querer "implementar mudanças profundas", como sair da UE. "Pessoalmente não acredito que a ideia do NLexit [junção de Netherlands, Holanda em inglês, e exit] tenha muitas pernas para andar", mas "acho que vai haver mais vozes a falar em reavaliar a UE ou em sair".
"A Holanda é um país pequeno, de comércio, que por razões económicas seria louco se saísse da UE", refere Lieshout. Também Tiago diz que "se há um consenso na sociedade holandesa é que o desenvolvimento das últimas décadas se deve à UE. Até políticos anti-imigração, exceto Wilders, são contra a saída da UE, apesar de serem a favor de abolição do espaço Schengen", de livre circulação. Sobre os portugueses, diz que os holandeses têm em geral boa opinião: "Nem que seja pelas férias que passam no Algarve", brinca.