Visita de Bolsonaro a Israel. Embaixada em Jerusalém trocada por escritório
Jair Bolsonaro desembarca hoje em Israel com vasta agenda política, comercial e tecnológica na bagagem mas é a eventual transferência da embaixada brasileira de Telavive para Jerusalém que monopoliza as atenções mediáticas internacionais numa visita oficial em retribuição à presença do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na tomada de posse do presidente do Brasil. A promessa de campanha de Bolsonaro para satisfazer o eleitorado evangélico, no entanto, pode transformar-se em solução intermédia, na forma de abertura de um escritório de negócios na cidade, para não hostilizar os países árabes, importadores de carne brasileira.
"Nós talvez abramos um escritório de negócios em Jerusalém", revelou o próprio Bolsonaro, durante a live na rede social Facebook de todas as quintas-feiras ao fim da tarde. "Por sinal, sobre a questão de Israel, Donald Trump levou nove meses para decidir", prosseguiu o presidente, referindo-se à decisão dos Estados Unidos de mudar a localização da embaixada. "Já começámos, entretanto, tanto Israel, como Estados Unidos e Brasil e mais alguns outros países, a votar na ONU de forma diferente da tradicional, que era o lado da Palestina, e defendendo coisas voltadas a Cuba, nós voltámos à realidade, nós temos direitos humanos de verdade".
Além de emular Trump, que vê como inspiração, ao discutir a localização da embaixada, Bolsonaro tenta ir ao encontro das pretensões das igrejas evangélicas pentecostais, decisivas na sua eleição, que acreditam que o estado judeu deve estar nas terras bíblicas para que Jesus Cristo volte à Terra.
Em conversa com o DN, o presidente da Confederação Israelita do Brasil, Fernando Lottemberg preferiu minimizar a questão da embaixada na visita de Bolsonaro. "A imprensa fala sobretudo sobre essa questão e ela é, afinal, a menos importante", disse. "Claro, é simbólica, porque Jerusalém é, de facto, a capital, é lá que estão o governo, a suprema corte, por isso seria interessante mudar a embaixada brasileira para lá mas, repito, é o menos importante"
"Soube que há essa possibilidade de abrir um escritório, é um passo, não tem a dimensão simbólica de mudar a embaixada mas é um passo", continua Lottemberg, que em breve visita Portugal. "Se essa solução vai desiludir Netanyahu? Bom, isso já tem de perguntar a ele..."
Por sua vez, Ualid Rabah, diretor de Relações Institucionais da Federação da Palestina no Brasil, vê nas intenções manifestadas pelo atual governo "uma mudança brusca e radical em confronto com a legalidade internacional, com o direito humanitário e com o sonho palestino".
"Não é simbólico, nem é brincadeira não, porque mudar a embaixada de Israel corresponde a realizar o sonho de tornar Israel num Grande Israel, do Eufrates às margens do Nilo", afirma ao DN. "E este regime brasileiro, não lhe chamo governo, liderado por uma facção fundamentalista toma esta decisão à revelia da legislação internacional, dos acordos dos quais é signatário e das resoluções da ONU e passa a pactuar com limpeza étnica e genocídio".
Sobre as questões religiosas em que os evangélicos se dizem basear, considera-as "fantasia". "O que os move é dinheiro e geo-política".
Para Lottemberg, a posição de Bolsonaro sobre Israel é positiva, por comparação com a dos presidentes anteriores. "As anteriores relações eram sempre muito baseadas no conflito e há mais do que isso, Portugal pode ter uma opinião sobre o Saara espanhol ou sobre China e o Tibete, por exemplo, e nem por isso deixar de ter relações profundas com Espanha ou China, o conflito é o conflito, o resto é o resto".
O recuo estratégico de Bolsonaro, ao passar da solução da embaixada para a do escritório comercial, deve-se, entretanto, sobretudo à pressão de produtores de carne brasileiros. O país é um dos maiores exportadores de proteína animal halal, ou seja, obedecendo a princípios de abate islâmicos, e poderia perder o importante mercado árabe - quase metade da carne bovina e de frango exportada tem os países árabes como destino - ao adotar uma política marcadamente pro-Israel.
O vice-presidente Hamilton Mourão, aproveitando a ausência de Bolsonaro do país durante o fórum de Davos em janeiro, reuniu-se com embaixadores árabes dizendo que a transferência do local da embaixada ainda estava em estudo - a solução que deve prevalecer na visita.
Novamente, Bolsonaro viaja dividido entre as duas alas sobre as quais sustenta o seu governo: a pragmática, representada pelos militares e técnicos, e a ideológica, onde militam o seu guru Olavo de Carvalho, os seus filhos e a comunidade evangélica.
"Mas", como diz Lottemberg, "há muito mais do que a relação política na relação entre Brasil e Israel". "Há tantos campos interessantes de relação, como na área económica, científica, cultural, tecnológica, são dois países de economias muito complementares e têm ao mesmo tanto em comum, como serem ambos democracias ou haver uma comunidade israelita grande aqui e cada vez mais brasileiros a optarem por ir para lá..."
Bolsonaro acredita conseguir estabelecer acordos nas áreas de defesa, ciência e tecnologia, segurança pública e cibernética e aviação civil. De acordo com artigo de Matias Spektor, professor de relações internacionais da Faculdade Getúlio Vargas publicado no jornal Folha de S. Paulo, o presidente brasileiro pode sair de Israel com "boa parte daquilo que pede" porque Netanyahu, que arrisca a presidência nas próximas semanas, precisa dele. "Com Bolsonaro a tiracolo, ele pretende mostrar ao eleitorado que ainda consegue atrair amigos no exterior, denunciando os opositores que o acusam de estar isolado".
Para Netanyahu conseguir desviar as atenções da tensão polícia doméstica e fazer com que Bolsonaro ocupe as manchetes locais, deve guiar o presidente brasileiro num intenso roteiro religioso. Em Jerusalém, por exemplo, a ideia é realizar uma visita à basílica do Santo Sepulcro, templo localizado na cidade velha, onde, segundo a tradição cristã, Jesus foi crucificado. Outro ponto será a Tumba do Jardim, também em Jerusalém, venerado pelos cristãos - principalmente pelos evangélicos - como o local de sepultamento e ressurreição de Jesus. Bolsonaro vai ainda ao Muro das Lamentações e ao território ocupado no Golã.
Não será a primeira vez que Bolsonaro visitará Israel porque em 2016 foi batizado nas águas do rio Jordão pelo Pastor Everaldo, presidente do seu partido à época, o PSC.
Ao longo da visita, é provável que Bolsonaro se depare também com protestos. Uma associação LGBT está a marcar uma manifestação em Telavive e grupos judaicos progressistas também querem "mostrar que o fascista Jair Bolsonaro não é bem-vindo".