Vinhos com indicação obrigatória de ingredientes e calorias nos rótulos

Novas regras de rotulagem entram em vigor a 8 de dezembro, mas só terão execução prática em 2024, dado que se aplicam a vinhos produzidos após esta data.
Publicado a
Atualizado a

Se é dos que gosta de saber quais os ingredientes do que come ou bebe ou quantas calorias ingere, sabe que, no vinho, essa é uma informação que não está disponível. Mas isso vai mudar, com a entrada em vigor do regulamento comunitário 2021/ 2117, que obriga a que, a partir de 8 de dezembro, também os vinhos tenham que prestar essas informações ao consumidor. É verdade que já há empresas a fazê-lo antecipadamente, por iniciativa própria, mas a grande maioria acaba de receber uma prorrogação de prazo. É que a Comissão Europeia veio retificar o regulamento existente, especificando que entra em vigor a 8 de dezembro e se aplica a todos os vinhos produzidos a partir desta data. O que significa que os da vindima que se aproxima ficarão, ainda, isentos desta obrigatoriedade, dando mais tempo ao setor para se preparar.

Uma "vitória portuguesa", graças à intervenção do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia. "Foi uma grande conquista. Ficam salvaguardados os vinhos produzidos antes de 8 de dezembro, independentemente do estado em que estejam, em fermentação, em estágio, seja o que for. Mesmo que sejam colocados no mercado daqui por uns anos, se tiverem sido produzidos antes de 8 de dezembro de 2023, não têm que seguir esta regulamentação", diz o presidente do IVV.

Bernardo Gouvêa destaca a importância de dar tempo aos operadores para se preparem, designadamente atendendo à necessidade de listar os ingredientes de cada vinho. "É preciso ter tempo para fazer análises, especificar, ter arquivos e tudo isto de uma forma sistemática", sublinha, acrescentando que "também por proposta de Portugal", foi criada a possibilidade da listagem de ingredientes poder constar do rótulo físico, ou de um rótulo digital, com um QR Code que remete para uma plataforma com a informação toda detalhada. Os dados sobre a declaração nutricional - a quantidade de lípidos, hidratos e carbono, proteínas, etc. - podem ser incluídos no QR Code, mas o valor energético (as calorias) tem de constar, de forma visível, na garrafa ou respetivo rótulo.

O Mateus Rosé foi o primeiro vinho português a implementar o rótulo digital, através do qual ficamos a saber que os ingredientes usados são uva, mosto de uvas, dióxido de carbono, conservante (dióxido de enxofre, sorbato de potássio) e estabilizador (ácido cítrico), que 100 mililitros de vinho têm 71 quilocalorias, 0 gramas de lípidos, proteínas ou sal, e 15 gramas de hidratos de carbono, sob a forma de açúcar.

A Sogrape fez parte das 15 primeiras empresas de vinhos a integrar o projeto da U-Label, uma plataforma criada federações europeias do vinho e das bebidas espirituosas, o Comité Vin e a spiritsEurope, para a criação de rótulos eletrónicos, e desde abril de 2022 que os primeiros QR Codes começaram a ser produzidos para Mateus. Atualmente, também as marcas Casa Ferreirinha, Herdade do Peso, Quinta dos Carvalhais, Silk & Spice, Sandeman, Porto Ferreira e Offley utilizam rótulos eletrónicos. A Sogrape, a maior empresa de vinhos nacional, vinificou o ano passado 29 milhões de litros . Vendeu 167 garrafas por minuto e gerou um volume de negócios total de 347 milhões de euros.

Na Bacalhôa, prepara-se a implementação das novas regras "à medida que vamos editando novos rótulos", diz Eduardo Medeiro, vice-presidente executivo do grupo, que produz cerca de 17 milhões de garrafas ao ano, metade das quais são exportadas. Em 2022, faturou 50 milhões de euros. "A informação ao consumidor é muito importante e temos que nos adaptar a isso. Agora, transformar os nossos rótulos em réplicas dos rótulos de iogurtes é descaracterizar aquilo que o comum dos mortais identifica como uma garrafa de vinho", diz, defendendo que o recurso ao QR Code, numa altura em que todos têm um smartphone, "é uma oportunidade até para melhor informarmos os consumidores daquilo que lhes estamos a oferecer".

Adrian Bridge, CEO da The Faldgate Partnership, que tem marcas como a Taylor"s, Croft ou Fonseca, num negócio que vale 65 milhões de euros, defende que o rótulo digital deve ser a norma, não só pela simplicidade mas pela conveniência. "Se tentarmos fazer a contagem de calorias em cada língua, ficamos com um contralivro, não um contrarótulo", graceja.

Questionada se a informação sobre as calorias do vinho pode levar a uma retração do consumo, a diretora executiva da ACIBEV - Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal duvida. "Não me parece que vá alterar muito os padrões de consumo, até porque, quem se preocupa com o peso ou quer emagrecer sabe que as bebidas alcoólicas não são aconselhadas. Mas acreditamos que, com o QR Code e a possibilidade de integrar toda a informação que quisermos, podemos incluir mensagens que promovam o consumo responsável e moderado", diz Ana Isabel Alves, sublinhando que o setor "não tem nada a esconder". Será uma adaptação desafiante para as empresas, admite, sobretudo as mais pequenas, mas "a possibilidade de recurso ao rótulo eletrónico é uma facilidade, não só em termos de custos, mas sobretudo porque evita a necessidade de fazer rótulos em várias línguas, a plataforma traduz automaticamente para as todas as línguas da UE".

Para o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, o consumidor tem sempre o direito de perceber o que está a consumir e isso também se aplica ao vinho. Além do mais, lembra Gilberto Igrejas, este é "dos setores mais inovadores" na economia portuguesa, além de ser "altamente escrutinado", logo, "não terá qualquer dificuldade de adaptação".

ilidia.pinto@dinheirovivo.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt