Vinho abençoado

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Com o vinho, temos uma certeza: ele é abençoado e o seu consumo também. Sim. Bebam, este é o meu sangue, todos sabem. Os pais fundadores da Igreja usaram o que tinham à mão para transmitir a mensagem divina: o vinho. E se foram os romanos que souberam aclimatar uma planta selvagem, sem interesse decorativo, mas carregando belos frutos vermelhos ou brancos com virtudes incomparáveis, foram os monges que deram a conhecer o vinho. Na Idade Média, a moda pegou. O vinho, ao longo dos anos, conseguiu o duplo feito de tornar-se ao mesmo tempo popular e burguês. Em Portugal, essa mudança acelerou nos últimos quarenta anos. A qualidade deu um salto, a diversidade das variedades de uva é apreciável - mesmo que digam que somente 40 das 340 variedades de uva listadas no país são utilizadas. As vinhas são bem cuidadas e as propriedades apoiam-se em enólogos ou técnicos qualificados. Quem nunca andou de norte a sul de Portugal para descobrir as diferentes vinhas e os vinhos produzidos nessas regiões deve fazê-lo com urgência! Da Quinta do Bomfim (Symington), na varanda do Douro, para a Casa de Santar (Globalwines-Dão) e sua Vinha dos Amores, passando pelo Esporão no Alentejo e muitos outros lugares e néctares para descobrir. Portugal é o principal consumidor de vinho: 54 litros por ano por pessoa, à frente de França (51,8 litros) e Itália (42 litros). O país é o 11.º maior produtor e o 9.º maior exportador do mundo: não é ruim para um país de 561 km de comprimento e 218 km de largura!

Arte e engenho

Vinhos finos, bons produtos, marketing poderoso, elegância das quintas, estratégias elaboradas... Deixo aos especialistas a tarefa de desenhar o retrato dos vinhos portugueses. Eles discutirão sem fim os melhores métodos, os bons assemblages e o momento da vindima. Também suspeito fortemente de existir, assim como em França, um especialista por trás de cada copo. No entanto, a maneira como o vinho é provado e avaliado pelo consumidor às vezes surpreende-me. Porque é que o empregado de mesa nunca mostra - ou quase nunca - a garrafa quando está a servir uma bebida? Ele poderia anunciá-lo, apresentá-lo. Mas não! Nove vezes em dez, não se sabe o que se está a beber. A menos que seja você a encomendar o vinho no restaurante. Mas aqui,novamente surpresas. Não é incomum escolher na lista um vinho que na verdade não está em stock - um mistério ainda não resolvido. O empregado usará então a fórmula mágica: "Posso propor-lhe um muito bom na mesma faixa de preço?". No curto espaço de tempo em que nasce um sorriso nos lábios dos comensais, já o empregado deu meia volta. De regresso, ele abre a garrafa e responde "não sei" quando se pede esclarecimentos sobre o vinho que traz. Agora não há nada a fazer, o vinho é servido, você tem de o beber. Nos jantares organizados, servidos no restaurante ou por um fornecedor, o empregado pergunta "branco ou tinto?", antes mesmo de saber se o hóspede já conhece o que está no menu. Os vinhos devem ser consistentes com os pratos e um convidado pode querer apenas branco ou tinto durante toda a refeição. Mas, uma em cada duas vezes, o copo de branco, que se esperava poder apreciar durante um pouco mais de tempo, desaparece sem mais nem menos da mesa quando chega o prato de carne.

Em contrapartida, em Portugal é sistematicamente sugerido provar o vinho antes de este ser servido. Bem jogado, adeus vinho com sabor a rolha! O empregado aguarda em continência enquanto finge ter algum conhecimento sobre vinho. Hoje, cada vez mais, pergunta para a mesa "quem quer provar?", ao invés de atribuir arbitrariamente o papel de provador ao chefe da família ou ao macho alfa. As mulheres, com um nariz fino, apreciam. Felizmente, muitas casas de repasto aprenderam a valorizar os vinhos, e os produtores estão a realizar um verdadeiro trabalho pedagógico. Se às vezes o exagero no descritivo sensorial ou os preços muito altos podem preocupar, a verdade é que algumas boas iniciativas estão a ser tomadas. Como a da TAP, a companhia aérea portuguesa, que não hesita em organizar um concurso nacional para escolher a lista dos 100 vinhos que serão servidos a bordo dos seus aviões durante o ano... Uma forma original de dar a conhecer a excelência dos terroirs portugueses.

A jornalista viajou a convite da TAP

Correspondente da Radio France Internacionale

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