Vinhas velhas, enologia moderna

Com o Vinha Maria Teresa tinto 2017 a Quinta do Crasto chegou ao nível supremo, cumprindo a tríade charme, potência e equilíbrio na perfeição
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Charme, elegância e potência. Três atributos que só o melhor Douro consegue proporcionar num mesmo vinho e ao mesmo tempo a única forma de descrever o colosso que é o Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa 2017. Foi a vindima mais precoce de sempre e pôs ao rubro o melhor da nossa ciência enológica.

A excelência atingida nalguns vinhedos do Douro não cessa de surpreender. Dotadas de sabedoria e autonomia, conhecem, preparam e corrigem o afinamento fenólico das plantas conduzindo-as a um autêntico nirvana de equilíbrio, expressão e fruta que todos os anos confirmam o estatuto do grande vale vinhateiro como um dos grandes do mundo. É impossível que tenha sido obra de um só ser humano, aceitamos melhor a ideia de que foi um coletivo inumerável e inominável que numa articulação misteriosa entre si produziu esta grande maravilha. Faz-nos suster a respiração a cada curva das estradas fininhas e caprichosas que desenham a região e quando partimos prometemos voltar e um dia ficar para sempre. A Quinta do Crasto é uma das grandes balaustradas do Douro mais rico, vê-se de toda a parte e é um paraíso feito de vinhas velhas. O enclave adquirido em 1918 por Constantino de Almeida manteve-se nas mãos da família graças ao esforço patrimonial de Jorge Roquette, casado com uma descendente do fundador, com a notável decisão de em 1994 transformar a quinta em marca de vinho DOC Douro.

Visitar a propriedade é uma grande experiência para os sentidos, há momentos de incrível emoção, só vemos o céu e esquecemo-nos de onde estamos. Na parte mais baixa, o casario anuncia-se desde longe para mais perto nos mostrar duas das mais belas vinhas de todo o Douro: a Vinha da Ponte, assim chamada porque veste a encosta com que deparamos quando atravessamos a ponte velha de acesso ao Crasto, e a Vinha Maria Teresa, o nome da neta de Constantino de Almeida. Vinha com mais de cem anos, raizes de grande profundidade, rendimento de cerca de cerca de 300 gramas de uvas por cepa que nas mãos sábias do enólogo Manuel Lobo de Vasconcellos têm dado muitas alegrias à cena vitícola nacional. É um dos mais discretos enólogos da atualidade e tem sabido governar com génio o que o fabuloso património vitícola tem dado. Encontramos a sua marca em todos os vinhos da Quinta do Crasto, do mais simples - se é que existe - ao mais sofisticado. E com o Vinha Maria Teresa tinto 2017 chegou ao nível supremo, cumprindo a tríade charme, potência e equilíbrio na perfeição.

O ano de 2017 foi marcado por produção modesta, cachos e uvas ambos mais pequenos do costume. Numa vinha velha como a Maria Teresa, é sempre de atender com o maior cuidado, pois é uma vinha que "sabe" o que faz, e a ciência está em perceber e reagir a todos os pequenos cambiantes. Isso fez com que tudo fosse seguido de muito perto na vinha, sobretudo quando chegou o momento da vindima, que aconteceu três semanas antes da média da pequena parcela. Havia razões históricas para marcar a vindima para o final de Setembro, mas felizmente a equipa técnica conhece suficientemente bem a vinha e adaptou tudo rapidamente. O resultado é um vinho poderoso, estrutura de taninos tensos e muito finos, vestidos por acidez bem trabalhada. É seda pura na boca, entrada neutra e evolução vagarosa no palato. Cada pequeno detalhe aberto pela progressão na prova revela ora impressões cítricas suaves, ora fruta de caroço madura, ora grafite. O estágio de 20 meses em barricas novas de carvalho francês (90%) e americano (10%) fez a derradeira afinação, o vinho apresenta graduação alcoólica de 14,5% e tem um PVP anunciado de 200 euros. Este Vinha Maria Teresa estabelece uma plataforma absolutamente consensual de perceção de qualidade, e ao mesmo tempo corporiza inovação e arrojo como muito poucos antes de si. Onde mostra plenamente o seu gabarito? À mesa, pois claro, merece bem uma galinhola estufada a preceito, uma boa e vigorosa perdiz, ou a tão duriense vitela assada, sobretudo se enriquecida com trufas pretas. Um sonho que pode não ter sido aquele que Constantino de Almeida sonhou, mas que seguramente o alegraria muito.

dnot@dn.pt

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