Aquando da Primeira Revolução Portuguesa, estando Portugal a viver uma situação político-social incerta recheada de perigos iminentes e enquanto os protagonistas mais relevantes se posicionavam actuando de diversas formas em relação aos seus potenciais adversários, a rainha D. Leonor tomou providências por saber que D. João, Mestre de Avis, era muito amigo do seu irmão infante D. João, preso em Castela..Temendo que pudesse aumentar a sua influência em Lisboa, caso o rei de Castela quebrasse o Tratado de Salvaterra de Magos, a perspicaz rainha promove-o a fronteiro da Comarca de Entre-Tejo-e-Odiana, ordenando a sua partida para aquela zona de habituais reacendimentos de conflitos, afastando-o assim dos centros de decisão..A caminho do Alentejo, estando a pernoitar na Aldeia de Santo António, a três léguas de Lisboa, o Mestre de Avis, em virtude de não ter obtido o apoio de todos aqueles a quem confidenciou, pedindo segredo, os meandros do plano concebido por Álvaro Pais, receando ter sido descoberto e denunciado, decidiu regressar à capital, no dia seguinte, ordenando ao escudeiro que se adiantasse e dissesse a Álvaro Pais para se preparar a fim de fazer aquilo que sabia..Ao entrar nos paços da rainha D. Leonor, contrariando o porteiro, ao quebrar as regras protocolares habituais, impôs a sua presença e a dos conjurados armados no interior da câmara e, em resposta à interpelação de sua cunhada, replicou que regressara por não ir desembargado como devia..Enquanto o escrivão de Puridade, João Gonçalves, por ordem da rainha, consultava o Livro dos Vassalos para satisfazer a vontade do Mestre, este, despercebidamente pede ao conde de Barcelos, D. João Afonso Telo, irmão da rainha, para se ir embora, confidenciando-lhe que queria matar o conde Andeiro..Após manifestar o seu desejo de pretender ajudá-lo nessa façanha, o irmão da rainha e muitos dos convivas começam a abandonar o aposento..Ao reparar na troca de olhares e nos sinais comprometedores, o conde Andeiro, que temia o Mestre de Avis, mas mesmo assim viera assistir ao saimento real contrariando o conselho e a vontade de sua mulher, recordou-se dos boatos e dos avisos recebidos..Não tardou muito a que a sua suspeita inicial se transformasse em temor e passasse à fase de descontrolo. Assustado e sob pressão, incapaz de raciocinar objectiva e serenamente, cometendo um erro fatal, pede aos seus vassalos e à sua guarda pessoal para se irem armar e regressar com a máxima rapidez..Assim que partem, arrepende-se profundamente porque constata que tinha ficado sozinho na câmara rodeado dos homens do Mestre..Este, recusando mais uma vez o seu convite para jantar, despede-se da rainha e conduz o conde Andeiro a uma sala contígua. Após breve diálogo, desfere-lhe um golpe na cabeça com o cutelo. Ferido, ao procurar encaminhar-se em direcção à câmara da rainha, é morto com uma estocada certeira de Rui Pereira..É sobretudo a partir desse momento fatídico que podemos admirar a genialidade do plano de Álvaro Pais..Seguindo o guião, o Mestre de Avis manda encerrar as portas do paço e ordena ao pajem, Gomes Freire, que fosse à pressa pela cidade, gritando em voz altissonante:."Matam o Mestre! Matam o Mestre nos paços da rainha! Acorrei ao Mestre que o matam!".Quando este chega à casa de Álvaro Pais, conforme estava previamente combinado, o aposentado chanceler-mor, que estava montado no cavalo e prestes para a acção, acompanhado de aliados e amigos, junta-se ao pajem e, fazendo uma grande algazarra, vai pedindo, pelo percurso até ao paço, a ajuda popular apelando aos brados:."Acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre, porque é filho do rei D. Pedro!"."Acorramos ao Mestre, amigos, acorramos ao Mestre porque o matam sem qualquer razão.".A população que vivia receosa e em estado de alerta, por saber que o Mestre havia sido preso e quase executado por ordens da rainha e também por odiá-la, deixa-se, rápida e facilmente, ser manipulada pela astúcia de Álvaro Pais, tal como o próprio previra..Repicam os sinos e a população revoltada e em alvoroço, que engrossava cada vez mais a ponto de não caber nas ruas principais, armava-se como podia correndo em direcção aos paços da rainha para salvar o Mestre antes que o matassem. Na correria desenfreada contra o tempo, uns ultrapassavam os outros querendo estar todos na dianteira..E, se porventura alguém perguntasse quem matava o Mestre, havia quem respondesse com absoluta certeza:."O conde Andeiro por mandato da rainha D. Leonor.".Quando os populares ofegantes chegam ao paço e o cercam deparam com as portas encerradas, prova evidente da consumação do assassinato do Mestre..Oh, que pena, diziam, chegámos atrasados!.Face à constatação do desenlace fatal, a população enfurecida protestava exteriorizando em alta voz a sua tristeza e descontentamento..Naquele ambiente de impotência, carregado de cólera e revolta, para tudo se exacerbar ainda mais bastou alguém gritar:."Vingança! Vingança!".Ao grito da exigência de retaliação todos os olhos se viraram para a entrada dos paços da rainha D. Leonor..Surgiram vozes a pedir que se quebrassem as portas, trouxessem escadas, lenha e tochas, e dizia-se bem alto:."Matemos os traidores!".Uns acarretavam feixes de lenha, outros traziam carqueja para atear o fogo e queimar os muros do paço..Quando a população amotinada avançava para provocar o incêndio e matar o traidor do conde Andeiro e a aleivosa, os conjurados aflitos, incapazes de travar o descontrolo da situação, procuravam refreá-la dizendo do alto das janelas:."O Mestre está vivo e o conde Andeiro morto."."Pois se está vivo que apareça, porque queremos vê-lo", respondia..Foi nessa altura que apareceu D. João, Mestre de Avis, diante de uma grande janela, que dava para a rua e disse:."Amigos, apacificai-vos, porque eu estou vivo e são graças a Deus.".Os revoltosos, aliviados e cheios de prazer, comentavam:."Oh que mal fez, porque matou o traidor do conde e não matou logo a aleivosa com ele. Ainda lhe há-de fazer mal. Oh aleivosa! Já nos matou um senhor e agora nos queria matar outro" (texto com citações livres da Crónica D. João I de Fernão Lopes)..Anunciada a morte do conde Andeiro, os ecos do choro chegam ao interior do paço e as pessoas aflitas, receando serem também executadas, fogem pelas janelas, por escadas e telhados, cada qual como melhor sabia e podia..Estando os companheiros do conde Andeiro de regresso, em cumprimento das ordens recebidas, foram avisados para desistirem de ir ao paço, porque podiam não escapar com vida..A corajosa rainha, após lamentar a morte do seu mártir e leal servidor, encarando o problema com frontalidade, manda perguntar ao Mestre se teria a mesma sorte..Responde-lhe o Mestre que não temesse, pois ele tinha regressado apenas para matar o conde, porque o merecia..Será que, com a eliminação do bode expiatório, os problemas vão ficar resolvidos?.Historiador O autor escreve de acordo com a antiga ortografia