Vidas suspensas
Uma auditoria ao funcionamento das equipas multidisciplinares do Instituto de Segurança Social de apoio técnico aos tribunais, datada de novembro de 2018, revela um inacreditável caso de um relatório social, pedido no âmbito de um processo de promoção e proteção, que demorou oito anos a ser entregue a um juiz do tribunal de Sintra. Se pensarmos numa criança que foi retirada aos pais com, por exemplo, três anos e entregue, temporariamente, à família alargada ou a uma instituição, é fácil perceber que ficou com a sua vida suspensa até aos onze anos.
Este tempo não serve ninguém e, sobretudo, é inadmissível num processo classificado de urgente e que até corre em férias judiciais. Neste tipo de processos e em processos tutelares cíveis, os juízes estão reféns destes relatórios e de perícias do Instituto Nacional de Medicina Legal para tomarem decisões. Nestes processos de jurisdição voluntária, a grande maioria das famílias nem dinheiro para um advogado tem, apesar de estarem, muitas vezes, em causa direitos fundamentais de pais e filhos. As meias-verdades, omissões e caráter confidencial destes relatórios contaminam os processos e ditam decisões "cegas" e injustas que destroem famílias.
Já aconteceu no passado e, como diz um relatório secreto pedido pelo Conselho Superior da Magistratura em 2018, pode voltar a acontecer, "com mais ou menos gravidade", apesar das alterações legislativas. Este relatório, que esteve cinco anos no segredo dos deuses, faz duras críticas a estes relatórios sociais e à passividade dos juízes nos processos de promoção e proteção e tutelares cíveis. Se o tempo que demoram estes processos, em que os prazos são, sistematicamente, ultrapassados, também tivesse sido considerado, as 38 páginas não chegariam para relatar danos irreversíveis causados a pais, mães, avós, avôs e, sobretudo, crianças - para quem o tempo dos tribunais não serve o seu tempo e, muito menos, o seu superior interesse.