Vida dos reclusos "pode estar em causa" na prisão de Ponta Delgada

O Provedor de Justiça diz haver grave sobrelotação na cadeia de Ponta Delgada e os presos queixam-se da comida
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O Provedor de Justiça admite que, "no limite", a vida dos reclusos do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, Açores, pode estar em causa em resultado da sobrelotação, considerado o principal problema da instituição devido às suas implicações em termos de espaço e condições de alojamento dos presos.

José de Faria Costa retirou essa ilação depois de se ter deslocado a 4 de maio passado àquela prisão, com capacidade para 110 pessoas, mas, à data da visita, com 196 reclusos.

"No particular caso do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, mais do que a intimidade, é, no limite, a vida dos reclusos que pode estar em causa. E está-lo quando se empoleiram - e, por muito grosseiro que possa parecer, o termo é este: empoleiram - os beliches para acolher mais alguém", conclui José de Faria Costa no relatório que produziu reunindo a informação do que observou.

Mostrou-se preocupado com a "grave situação de sobrelotação" da cadeia da maior ilha açoriana, sobretudo depois de ter visto camas que - "com engenho" - se somam em altura e camaratas que conseguem acomodar mais de 10 reclusos em espaços de poucos metros quadrados. Cenário em relação ao qual alerta para o risco de haver queda e desmoronamento da estrutura, assim como o "fácil acesso" a um objeto que pode servir de arma. Mas não é só.

O Provedor de Justiça aponta também outras lacunas que devem ser colmatadas, como o facto da separação de reclusos - recentes e mais antigos, jovens e mais velhos, preventivos e condenados, primários e reincidentes - não ser feita, "com tudo o que de menos positivo esta combinação usualmente acarreta; inexistência de zonas mais privadas para a higiene e ainda, a avaliar pelas queixas dos presos, insuficiente quantidade e menos boa qualidade de alimentação.

Chama, por isso, a atenção que "a legítima restrição da liberdade não pode fundar a injustificada restrição de outros direitos fundamentais como seja o da privacidade".

José de Faria Costa recorda que saiu da prisão "diferente", "apoquentado" e "inquieto", como aliás costuma a acontecer no decurso das suas visitas de proximidade a penitenciárias portuguesas, no âmbito do projeto "O Provedor de Justiça, as prisões e o século XXI: diário de algumas visitas", que prosseguirá ao longo de 2016.

No caso da de Ponta Delgada, o provedor alerta para a urgência da intervenção no sentido de melhorar as atuais instalações ou edificar uma nova prisão, intervenção essa que não pode continuar a ser adiada, uma vez que os reclusos são pessoas sob a responsabilidade do Estado.

A questão é que, como deixou claro, "não se pode protelar ad aeternum a segurança das pessoas que, independentemente do que possam ter feito - e sublinho, este julgamento já foi ou será feito pelos nossos tribunais, não o cabendo a mais ninguém nem a nenhuma outra instituição -, estão à confiança do Estado. E quando se confia uma pessoa a um Estado de direito democrático, como Portugal o é, só se pode esperar que, enquanto a situação se mantiver, elas estejam, no mínimo, seguras".

E, para o Provedor de Justiça, não resolve o problema transferir os reclusos para outra prisão. Pelo contrário, isto porque "ao privarmos uma pessoa da liberdade já a estamos a abster de um contacto regular com os seus familiares e amigos; se o fizermos com a ida para uma outra ilha ou para o território continental, ainda mais a afastamos do que, em muitos casos, a pode auxiliar a uma boa reinserção na comunidade".

No decurso da sua visita ao Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada, e no respeitante ao corpo da guarda prisional, José de Faria Costa registou dificuldades de progressão na carreira e a carência de efetivos. E revelou-se ainda apreensivo com a elevada taxa de reincidência que limita o sucesso do projeto de reinserção que ali funciona, sem deixar de fora as drogas sintéticas, outro dos grandes problemas da instituição.

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