Vida dos pais da nossa Maria dá uma telenovela brasileira
Perante a exuberância arquitetónica da nova sé catedral do Rio de Janeiro, a velhinha Igreja de Nossa Senhora do Carmo passa quase despercebida, mesmo que tenha sido palco de acontecimentos únicos nas Américas, como a coroação de um rei europeu (D. João VI). Um outro acontecimento especial teve lugar há 200 anos quase dia por dia (6 de novembro de 1817) e envolveu os pais da nossa D. Maria II. Para quem não sabe, a princesa que chegou criança a Portugal nasceu no Rio em 1819, filha de D. Pedro, que seria imperador do Brasil e rei de Portugal, e da austríaca Leopoldina.
Este casamento real (ou imperial) nos trópicos, a união de um Bragança com uma Habsburgo com a baía de Guanabara como cenário, decorreu das Guerras Napoleónicas e da estratégia de D. João de mudar-se para o Brasil para evitar ser preso pelos franceses como aconteceu ao monarca espanhol.
Assim, um Napoleão entretanto derrotado mudou a história das Américas portuguesa e espanhola, com o destino diferente de cada uma, em especial a unidade brasileira, a dever-se em muito à instalação da corte no Rio e aos Braganças se terem apaixonado pelo Brasil.
Esta história tem dado muitos livros e até a recente telenovela da Globo Novo Mundo, com Caio Castro a fazer de Pedro e Letícia Colin a interpretar Leopoldina. Dele sabemos muito, que deu a independência ao Brasil e depois veio para Portugal lutar pelo liberalismo e pela coroa da filha. Também que era mulherengo, com a mais famosa das amantes a ser Domitila. Mas de Leopoldina, que morreu jovem, falamos pouco cá, esquecendo que, como lembra a sua estátua frente ao Paço de São Cristóvão, deu um imperador ao Brasil e uma rainha a Portugal (Pedro II e, claro, a nossa Maria II).
Talvez a imperatriz mereça mais o carinho dos brasileiros. Diz-se que foi ela e José Bonifácio que convenceram D. Pedro a dar o grito do Ipiranga em 1822. Para tirar as dúvidas, pedi ao embaixador do Brasil em Lisboa, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que me desse a sua opinião: "D. Leopoldina tinha uma ligação muito especial com o Brasil. Mesmo antes de lá chegar, a futura imperatriz já era apaixonada pelo país e por suas riquezas naturais, tendo levado consigo um importante grupo de cientistas e artistas para estudarem a fauna e a flora de seu novo lar. Foi chefe do Conselho de Estado e regente na ausência de seu marido, sendo hoje considerada como uma das principais articuladoras políticas da independência do Brasil, destacando-se entre as vozes que aconselhavam D. Pedro a romper com as Cortes portuguesas."
Os Estados Unidos foram os pioneiros a reconhecer o Brasil independente em 1824, ainda antes de Portugal (1825). Mas é curioso como as potências da Santa Aliança, que chegaram a ameaçar ir à América espanhola reverter as independências a favor de Fernando VII, depressa reconheceram também o Império Brasileiro. Por medo da Doutrina Monroe não foi; talvez por ser uma monarquia entre repúblicas sim; mas não desprezemos o quanto contou D. Pedro ser genro de Francisco I da Áustria.
Que grande telenovela.