Vibro-acústica é nova doença dos hipersensíveis ao som

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Quando chega a casa, João põe a televisão aos berros. Ouve mal e precisa de aumentar o volume. António faz o inverso, baixa-o, pois não suporta o ruído. Dois casos fictícios que ilustram situações opostas. João sofre de surdez. António de doença vibro-acústica, patologia provocada por ruídos de baixa frequência que podem estar na origem de problemas cardíacos, respiratórios e epilepsia. Mas, sendo uma doença nova, ainda é desconhecida da maioria dos médicos e cidadãos, não sendo possível estimar o número de doentes. Estes, sem cura e sem prevenção à vista, desesperam.

A sensação de "ouvir bem de mais ou ouvir coisas que os outros não ouvem" é típica de quem tem a doença vibro-acústica e algo que pode ajudar os médicos a detectar esta "nova" patologia. O diagnóstico tem sido complicado, tanto pelo desconhecimento como pela variedade de sintomas que os doentes apresentam.

Mariana Alves Pereira, investigadora do Centro da Performance Humana que estuda a doença desde 1980, dá um exemplo caricato. "O doente chega ao médico e diz 'doutor, tenho bronquite mas não fumo, doem-me as articulações, desenvolvi uma úlcera, tenho varizes e, volta e meia, apanho umas dores de cabeça horrorosas'. Para o médico, a conclusão é simples: hipocondríaco ou neurótico." Uma incompreensão que piora para quem vive o problema no trabalho, muitas vezes conotado como alguém a "fazer-se à baixa".

São precisamente os ruídos que mal se ouvem, e que não são avaliados nas medições rotineiras, que estão na origem da doença. Aqui não se trata de volumes excessivos ou decibéis a mais, mas de frequências baixas com efeitos em todo o organismo. "O agente patogénico é físico, como se fosse uma pressão interior. Quando alguém está exposto a um ambiente assim, sente-se oprimido e a resposta biológica do seu organismo é reforçar a integridade estrutural, produzindo uma substância que é o colagénio (mesmo não havendo inflamação)", explica Mariana Alves Pereira, lembrando que, nesta investigação, Portugal é líder mundial.

Apesar da evidência científica demonstrando que fenómenos acústicos não afectam só o ouvido, o ruído continua a ser avaliado partindo do princípio de que só o que é audível é nocivo, lamenta a investigadora. Até porque um som pode não ter volume elevado e ter frequência perigosa.

E onde se encontram os ruídos de baixa frequência? Em todo o lado. A resposta não parece animadora, mas a verdade é que estão nos sistemas de ventilação dos centros comerciais ou escritórios, nos transportes públicos, nos restaurantes ou em casa, se esta for perto de uma estrada com muito tráfego ou junto a uma linha de comboio. Na sua origem pode estar uma exposição profissional ou ambiental.

Médicos desconhecem doença

A doença vibro-acústica é uma novidade para a comunidade médica. Até porque ainda não se sabe tudo sobre a patologia. "Estamos no início. As investigações provam inequivocamente a doença e as lesões, mas ainda não sabemos acima de que valores estas vibrações são prejudiciais", explica ao DN Lopes Pires, do colégio da especialidade de Medicina do Trabalho da Ordem dos Médicos. "Quando estiverem identificados os limiares de acção, podemos organizar o serviço e tentar reduzir os pontos de exposição", diz.

Para Marcelino Pena Costa, presidente da Associação Portuguesa das Empresas do Sector Privado de Emprego (APESPE), este já não é só um problema de saúde profissional mas de saúde pública. Por isso, a APESPE tem feito a sensibilização dos seus associados para a doença.

Sendo o sector da aviação um dos mais expostos a esta problemática, associados voluntários do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil estão a ser sujeitos a exames médicos. A maioria das 35 pessoas que compõem a amostra de um estudo a decorrer fez uma broncoscopia que revelou indícios da doença, avança Carlos Castelo, sindicalista.

Apesar dos resultados, a patologia não consta da lista das doenças profissionais. José Emílio Pires, vogal do Centro Nacional de Riscos Profissionais, explica que, desde que haja um parecer médico dizendo que a doença decorre da actividade profissional, o caso é avaliado e o doente pode receber apoio do Estado.

Sem saber aonde se dirigir em busca de cura, os doentes carregam as suas queixas de médico em médico, numa angústia permanente.

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