Vhils traz a agitação da vida urbana para dentro da galeria
Um olho. Enorme. Um olho que nos enfrenta assim que entramos na Galeria Vera Cortês, situada num primeiro andar em Alvalade, Lisboa. Numa única sala, toda branca, está uma nova exposição de Vhils. Ele chamou-lhe Intrínseco. Do teto da galeria estão suspensas oito peças, com uma ou mais camadas em acrílico, que ficam a poucos centímetros do chão. Nas imagens impressas é possível discernir rostos, ou partes de rostos, prédios, carros, vestígios de cidades. Em algumas das telas, a tinta vermelha ou amarela evoca a sinalética urbana. Essas telas, mais cruas, foram pintadas ali mesmo, quando já estavam penduradas, e os restos de tinta espalham-se no chão.
Vhils - Alexandre Farto - explica que esta instalação surge na continuidade do trabalho que tem vindo a desenvolver no espaço público, nos últimos dez anos: "Vem de uma reflexão contínua que tenho feito sobre a condição humana e sobre aquilo de que tendencialmente temos estado a abdicar, em nome do nosso conforto, em termos identitários, de liberdade, etc. Esta peça é uma reflexão sobre este modelo de desenvolvimento vigente e o modo como a globalização nos afeta", mesmo sem darmos por isso. "Abdicamos de coisas intrínsecas a nós", explica. E, daí, o nome da exposição.
Jogando com a transparência e a opacidade, com peças que podem ser tocadas e até atravessadas, que mudam consoante o nosso ponto de vista, a instalação pede ao visitante que tome a iniciativa. Que combata a passividade. "A presença da sinalética urbana representa o condicionamento a que estamos sujeitos no espaço urbano e que influencia também aquilo que nós somos. E a escolha do material também vai no sentido dessa reflexão: representa a plastificação que a condição humana tem sofrido nestes últimos tempos, e reflete sobre a sustentabilidade desse processo."
Todas as peças são inéditas, mas alguns dos retratos que ali estão já foram trabalhados por Vhils de outras formas. São rostos captados ao longo dos últimos anos em Sidney, Xangai, Londres, várias localizações em Lisboa. "Cada um deles tem uma história, uma reflexão sobre a cidade, e a própria sinalética que está neles vem de cada sítio", explica. "A cidade é, sempre foi, a principal influência do meu trabalho. Foi na cidade que eu comecei a trabalhar, mesmo quando ainda era ilegal", conta.
Desde 2012 que Vhils não expunha com a Galeria Vera Cortês e desde 2014, quando apresentou a exposição Dissecação/Dissection no Museu da Eletricidade, que não se apresentava em contexto museológico em Portugal. Para ele, trabalhar no espaço público ou numa galeria, não é assim tão diferente. Mesmo se pensarmos que os seus murais são, por definição, efémeros (alguns deles têm vindo a desaparecer, efetivamente, com as obras nas cidades) e que estas peças serão, provavelmente, depois, expostas noutras galerias e vendidas a colecionadores, Alexandre Farto não se deixa iludir: "No final nada dura para sempre."
A grande diferença, diz, está no modo como o trabalho é recebido: "Numa galeria as pessoas já vêm prontas para receber o teu input e consegues, se calhar, ir mais fundo nas reflexões." São trabalhos com missões distintas mas são caminhos complementares no seu trabalho: "Para mim foi importante fazer isto depois destes intensos anos que passaram, e juntar aqui o trabalho que vem destas reflexões".
Mas admite que continua a sentir-se mais "confortável" a trabalhar no espaço urbano. Agora mesmo, está a terminar um mural no Barreiro, sua terra natal: "É uma das maiores paredes que alguma vez fiz, tem 60 ou 70 metros, e é um trabalho que vem de uma pesquisa profunda da história industrial do país e, em especial, do Barreiro." A obra situada na rua da CUF deverá ser inaugurada ainda este mês e será, sem dúvida, uma das grandes atrações na cidade.
Afinal, Vhils é um dos artistas portugueses contemporâneos mais mediatizados. Além de várias criações em Portugal, tem trabalhos em locais como a Tailândia, Malásia, Hong Kong, Itália, Estados Unidos, Ucrânia, Macau e Brasil. E está a preparar, em parceria com a Câmara de Cascais, o novo Museu de Arte Urbana e Contemporânea de Cascais, que deverá abrir ainda no primeiro semestre do ano. Apesar de toda esta popularidade, Alexandre Farto mantém os pé na terra: "A popularidade só é importante porque o trabalho tem uma missão e é importante que essa mensagem chegue às pessoas."