Vettel vs. Lecrec. A rivalidade interna na Ferrari que faz lembrar guerras antigas
"A Ferrari tem pela frente uma situação potencialmente explosiva que necessita de ser gerida com grande cuidado. Estou certo que Mattia Binotto {chefe de equipa da Ferrari] sabe que terá de administrar esta rivalidade entre Vettel e Leclerc para que funcione de forma saudável e sem problemas." O aviso chegou esta semana pela voz de Ross Brawn, antigo diretor técnico da Ferrari, e atualmente na estrutura que gere a Fórmula 1.
Em causa está o clima de grande tensão entre os dois pilotos da escuderia italiana, que ganhou contornos maiores após o recente GP da Rússia, com a divulgação das conversas via rádio dos pilotos com a equipa, em que uma suposta estratégia da Ferrari indicava que Leclerc cederia a Vettel a liderança da corrida na largada, mas que depois o alemão ceder-lhe-ia o lugar, algo que não aconteceu. Andrea Cremonesi, jornalista da Gazzetta dello Sport especializado na modalidade, escreveu que os dois pilotos já não se suportam, até porque o germânico não aceita ter um papel secundário na equipa.
A Ferrari tem tentado gerir a situação com pinças. Em declarações à Sky Sports, Mattia Binotto referiu que "é fantástico ter dois pilotos de luxo na equipa". E explicou o que de facto aconteceu no GP da Rússia, ilibando Vettel. "O início foi como estava planeado [Lecrec cedeu a liderança a Vettel na largada] e por isso achamos que era correto pedirmos a Vettel que trocasse de posição. Os pilotos podem ter uma ideia diferente, é algo que podemos discutir com eles. Apesar de termos feito o pedido a Vettel, é justo dizer que talvez naquela fase da corrida o Leclerc não estivesse o perto suficiente", opinou.
O clima de guerrilha interna entre os dois pilotos da Ferrari é apenas mais um na longa história da fórmula 1. Uns com mais picos de tensão e polémica do que outros. O último tinha acontecido entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg, na altura pilotos da Mercedes que tinham ambos ambições de se sagrarem campeões.
Os rumores sobre a má relação entre os os dois pilotos já circulavam há muito tempo, mas tudo ficou confirmado no GP da Bélgica em 2014. Nico partiu na frente, mas perdeu logo a posição para o companheiro. Na terceira volta, ao tentar ultrapassá-lo, Rosberg bateu na asa do Mercedes de Hamilton e furou-lhe um pneu, acabando-lhe com a possibilidade de continuar em prova, que terminou com Nico no segundo lugar. O caso na altura resultou numa punição interna da Mercedes a Rosberg e levou o piloto britânico a falar numa "declaração de guerra".
No mesmo ano, no GP do Mónaco, Rosberg foi acusado de ter cometido um erro propositado para garantir a primeira posição da grelha (perdeu o controlo do carro e provocou uma situação de bandeiras amarelas que obrigaram os outros carros a abrandar) durante a qualificação. Acabou per vencer a corrida e Hamilton foi segundo. Na cerimónia do pódio não trocaram qualquer cumprimento e o piloto inglês desabafou: "Não falo com Nico Rosberg." Nesta época o britânico sagrou-se campeão.
A rivalidade prosseguiu com novos episódios nas épocas de 2015 e 2016. Hamilton voltou a ser campeão em 2015 e Nico Rosberg em 2016, anunciando de forma surpreendente a sua retirada da fórmula 1 poucos dias depois da consagração.
A maior rivalidade da história da fórmula 1 entre pilotos da mesma equipa foi muito provavelmente a protagonizada por Ayrton Senna e Alain Prost quando coabitaram na McLaren. Em 1989 o verniz estalou de vez logo na segunda corrida da época, em San Marino, marcada pelo grave acidente de Gerhard Berger e por uma ultrapassagem que ainda hoje é recordada na modalidade.
Senna e Prost tinham um pacto na altura de não-agressão na primeira volta de cada corrida. Mas como o acidente de Berger obrigou a uma segunda largada, Senna entendeu que não tinha de cumprir o pacto e desobedeceu ao acordo de cavalheiros, ultrapassando colega de equipa e terminado na primeira posição. Relatos da altura dizem que a partir daí a relação entre os dois se limitava a um tímido cumprimento.
Na mesma época, novo episódio marcante entre os dois pilotos. Este com consequências mais graves. No GP do Japão, penúltima corrida da época, os dois pilotos colidiram na 40.ª volta. Prost foi forçado a abandonar, mas Senna, que precisava de vencer as duas corridas para ser campeão, pediu ajuda aos fiscais do circuito, cortou a chicane e prosseguiu em prova, acabando por vencer. Mas foi desclassificado pelo "corte" da chicane depois de ser empurrado pelos fiscais e Prost sagrou-se logo nesse dia campeão do Mundo.
Antes, na década de 1970, outra grande rivalidade foi protagonizada entre Niki Lauda e James Hunt, ambos da Ferrari. Mas neste caso sem grandes ocorrências de golpes baixos. Hunt. Contudo, teve uma pega com Jochen Mass, em 1997, na McLaren, e no GP do Canadá bateram um no outro.
Na temporada 1982, Gilles Villeneuve e Didier Pironi, igualmente na Ferrari, também se pegaram. Antes do Grande Prémio de San Marino, a escuderia pediu aos dois pilotos que não entrassem em disputas. Mas Pironi desobedeceu à ordens a ultrapassou o canadiano. Resultado: nunca mais se falaram. Duas semanas depois, Villeneuve acabaria por morrer num grave acidente na Alemanha.
Também na década de 80 (no ano de 1986) a Williams foi obrigada lidar com um problema de egos. Nelson Piquet, na qualidade de bicampeão, assinou pela escuderia britânica, onde teve como colega de Nigel Mansell. A rivalidade entre os dois pilotos era tanta que nesse ano Alain Prost acabou campeão. Foram célebres nesse ano os bate boca constantes entre os dois pilotos. Piquet chegou a dizer que Mansell não tinha educação. O inglês disse que o brasileiro era apenas um homem vil.