Versões de sedutor

O adjectivo sedutor pode ser entendido de maneiras muito diferentes conforme o propósito a que destinamos o alvo da distinção. Como diz o dicionário, seduzir é encantar, deslumbrar, cativar ou tentar (também lá está enganar e corromper, mas isso não interessa agora) e vários atributos podem desencadear essas reacções. Eu posso achar sedutor um filme do Woody Allen, mas de certeza que acho a Scarlett Johansson mais sedutora do que o realizador.
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Os dois exemplos que hoje trago mostram que o significado de sedutor em biologia também pode variar do dia para noite, ou melhor, da vida para a morte. Os dois casos resultam da leitura de artigos sobre aves – o primeiro é sobre certas espécies que apuraram a arte de seduzir, no sentido sexual do termo, a tal ponto que vale tudo para se sobressair aos olhos das pretendentes, e o segundo exemplo reflecte as características que os caçadores exigem para apelidar uma ave de sedutora. É claro que no segundo caso não é a excelência do canto ou das danças nupciais que atraem, encantam ou deslumbram o atirador.
Como já referi numa crónica passada, os grandes sedutores sexuais do reino animal pertencem a uma família que vive lá para os lados da Oceânia e que ganharam o nome de bowerbirds em inglês e em português são conhecidos por pássaros-cetim ou satins-azuis (Ptilonorhynchus violaceus). Nessa crónica falei sobre a decoração espectacular que os machos fazem nas suas construções engenhosas: folhas, pedras, plásticos, vidros, fios, etc., qualquer coisa desde que seja vistosa e colorida. Hoje voltei a chamar os satins ao palco para o leitor perceber o esforço colocado nesta luta pela perfeita (e eficaz) sedução.
Segundo alguns estudos efectuados com machos satins-azuis há uma série de atributos que se ligam à capacidade de decorar o espaço e que se relacionam significativamente com a probabilidade de o macho ficar com uma boa fêmea. O primeiro é óbvio e tem que ver com a capacidade de encontrar os melhores itens na floresta. O atributo seguinte é que é menos sério – aparentemente os machos mais bem sucedidos, e por isso diríamos mais sedutores, são aqueles que conseguem roubar mais apetrechos das construções dos vizinhos enquanto são os melhores a proteger o seu próprio espólio. Provavelmente as fêmeas não procuram vilões que se especializam em cobiçar e recolher o que não é seu, mas sim os portadores dos genes que dão mais garantias de sobrevivência porque significam capacidade de desenrascanço e de – isto é um pouco antropomórfico – inteligência.
Um outro estudo parece corroborar esta conclusão. Investigadores desde há muito sabem que os satins não gostam dos objectos encarnados, preferindo os azuis ou esverdeados. Numa tentativa de perceber aqueles que respondiam melhor a situações problemáticas introduziram-se peças encarnadas nas construções mas sob duas formas – tapadas por um jarro transparente ou pintadas em azulejos (estas últimas obviamente impossíveis de remover). No fim do estudo concluiu-se que os machos que resolviam o dilema mais depressa – derrubando o jarro ou tapando o azulejo logo que percebiam que não o podiam retirar – eram os que ficavam com as melhores fêmeas. Como é que as fêmeas escolhiam? Não se sabe, mas o que é certo é que têm olho para estas boas qualidades de chefe de família.
A outra forma de seduzir que aqui descrevo é bastante menos prazenteira e mesmo bem mais perigosa. O artigo onde encontrei este outro uso da palavra sedução foi numa revista de caça. Nele o autor explanava a sua opinião quanto à inclusão das rolas-turcas (aquelas que se têm espalhado pelo campo e cidades de Portugal a um ritmo impressionante) na lista das espécies cinegéticas. Dizia o artigo que esta é uma ave com uma prolificidade surpreendente e, provavelmente, igual valor gastronómico do que as suas primas as rolas-bravas. Ou seja, poderia ser caçada como qualquer outra.
Convém aqui dizer que a população das rolas-bravas, ao contrário do que acontece com a das turcas, está em declínio desde há uns anos e muito por causa da caça incessante e impiedosa. Também é preciso dizer que as rolas-bravas são muito tímidas, menos gregárias e têm um voo rápido e ziguezagueante, muito diferente das mais pachorrentas rolas-turcas.
Infelizmente, o autor do artigo não advogava dar férias à espécie em vias de extinção, mas apenas argumentava a favor de incluir mais uma espécie na lista, provavelmente para satisfazer o apetite dos caçadores que já raramente levam uma brava ao cinto. No entanto, duvidava da aceitação da proposta pela comunidade de adeptos cinegéticos porque a rola-turca se encontra muitas vezes em zonas urbanas, onde não se pode caçar, e porque a rola-brava é muito mais sedutora. Por outras palavras, é muito mais atraente e tentadora. O que a torna tão apetecível? Provavelmente, a raridade – o que sempre foi um factor de atracção para o homem –, a maior necessidade de procura e perseguição e, finalmente, a maior dificuldade em abatê-la devido ao habitat e ao tipo de voo.
Será que a rola-brava aprecia ser alvo de tantos louvores? Acho que não. Tenho a certeza de que, a poder escolher, a pobre ave deixava de voar aos ss e tornava-se tão pachorrenta como a prima. Mesmo arriscando-se a perder o seu grande poder de sedução.

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