Versão integral de "Mein Kampf" pela primeira vez no mercado português

Tradução tem como título "A Minha Luta". Primeira edição em Portugal foi há 40 anos, mas não tinha texto integral
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"A minha luta", de Adolf Hiltler, regressa ao mercado português pela E-Primatur, 40 anos após a primeira edição em Portugal, pelas Edições Afrodite/Fernando Ribeiro de Mello, retomando esse texto, mas agora em versão integral.

Com prefácio do historiador António da Costa Pinto, a nova edição portuguesa regressa à tradução brasileira de Jaime de Carvalho, originalmente publicada pela Globo, que foi "revista e cotejada com o original", de acordo com a E-Primatur, "acrescentando-se-lhe algumas partes não traduzidas", o que a transforma, "portanto, na primeira tradução verdadeiramente integral da obra", no mercado português.

A atual edição portuguesa é coordenada por Pedro Bernardo, um dos fundadores da E-primatur, surgida em maio deste ano, com o objetivo de criar uma "comunidade de editores", através da promoção do "CrowdPublishing", que alia o financiamento partilhado, "crowdfunding", à publicação de livros.

Na apresentação da obra, a editora destaca que, "apesar do seu estilo errático e por vezes alucinado", "A minha luta" contém uma "visão programática para a sociedade alemã - com alusões pouco veladas de eugenismo e uma ênfase obsessiva na questão racial, no papel da mulher alemã ou dos sindicatos -, para uma nova política externa (a referência constante à necessidade de espaço vital, mas também à política de alianças a levar a cabo) e, ainda, premonitoriamente, sobre os judeus".

"No fundo, dez anos antes de chegar ao poder, o que viria a ser a política interna e externa do III Reich levada a cabo por Hitler já estava plasmada em livro", lê-se na apresentação da E-Primatur.

"Embora algumas das ideias [de Hitler], em termos geopolíticos, reflitam os medos e anseios dos alemães, fruto da sua posição geográfica no continente europeu (...) noutros aspectos o texto é mais perturbador, em especial na questão do eugenismo, no futuro dos povos de Leste e, essencialmente, o destino a dar aos judeus", lê-se na antecipação da obra.

O sítio da E-Primatur na internet indica ainda atalhos para polémicas sobre a reedição de "A minha luta" ("Mein Kampf", no original), publicadas em títulos como The Telegraph, Magazine Litteraire, Le Monde, Libération, Deutsch Welle, Bloomberg, Washington Post e Newsweek.

A edição de 1976, da Afrodite, contava com comentários do historiador António H. de Oliveira Marques, do escritor e ensaísta José Martins Garcia, do ex-oficial do exército Sanches Osório, um dos militares de Abril, e recuperava textos de Rolão Preto, líder dos Nacional-Sindicalistas portugueses dos anos 1930, que chegou a opor-se a Oliveira Salazar.

A apresentação da Afrodite interrogava-se sobre o facto de "a difusão do 'Mein Kampf', em língua estrangeira, (...) não ter merecido a aprovação deHitler", citando o caso da edição francesa de 1934, feita apesar da proibição do autor.

"Uma consolação nos resta, algumas décadas volvidas sobre um grande massacre", concluía a Afrodite: "Hitler pressentiu que 'Mein Kampf', obra ferozmente apologética, podia voltar-se contra a doutrina que veicula. Assim seja!"

Obra cai no domínio público a partir de sexta-feira

A obra panfletária de AdolfHitler "Mein Kampf" poderá a partir de sexta-feira ser livremente reeditada em todo o mundo, uma perspetiva que está a causar preocupação na Europa, 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

Hoje, nos termos da legislação alemã, entram no domínio público os direitos de "A Minha Luta", uma das mais controversas obras da história do Ocidente, o único livro escrito pelo ditador nazi, que o ditou ao seu fiel secretário, Rudolf Hess, em 1923, na prisão de Landsberg, na Baviera, enquanto cumpria uma pena de prisão de cinco anos por traição, após o golpe falhado de Munique.

Tornam-se, assim, propriedade de toda a humanidade, depois de detidos, desde 1945, pelo estado regional da Baviera, ao qual as forças de ocupação norte-americanas entregaram o controlo da principal editora nazi e que durante sete décadas recusou a republicação do manifesto antissemita, por respeito às vítimas dos nazis e para impedir qualquer incitamento ao ódio, embora a posse e a venda da obra não fossem penalizadas pela lei alemã, existindo mesmo exemplares em bibliotecas universitárias.

Em muitos países onde a obra que teoriza a ideologia nacional-socialista e o desejo de eliminação dos judeus já se encontrava disponível, o fim dos direitos de autor não alterará substancialmente a situação.

No Brasil e na Índia, por exemplo, o livro está já há muito tempo amplamente divulgado e, nos países árabes, "Mein Kampf" encontra-se facilmente, ao passo que na Turquia atingiu um novo recorde de popularidade: mais de 30.000 exemplares foram vendidos desde 2004.

Nos Estados Unidos, não é proibido, no Japão existe até uma versão "manga", e foi igualmente publicado depois do fim do comunismo em alguns países da Europa de Leste.

Está ainda disponível na internet, nomeadamente em sites salafistas que utilizam, na maior parte dos casos, traduções piratas.

Todavia, a entrada da obra fundadora do Terceiro Reich no domínio público constitui, sobretudo na Europa, e particularmente na Alemanha, onde 12,4 milhões de exemplares foram vendidos até 1945, um momento altamente sensível.

"Com o fim dos direitos de autor, é muito grande o perigo de essa porcaria ser ainda mais disponibilizada no mercado", disse o presidente da comunidade judaica da Alemanha, Josef Schuster, mostrando-se preocupado.

Segundo o responsável, "a obra de propaganda antissemita deveria continuar proibida".

Iniciou-se um debate para saber se é apropriado reeditar a volumosa obra de 800 páginas, e os candidatos não estão propriamente a atropelar-se.

Tanto na Alemanha quanto em países que estiveram sob ocupação nazi, como a Áustria e a Holanda, continuará a partir de hoje proibida a publicação simples do texto integral, sob pena de acusação judicial por incitamento ao ódio racial.

Em contrapartida, serão agora possíveis na Alemanha reedições de versões comentadas e contextualizadas por historiadores, com objetivos pedagógicos, sete décadas após a derrota dos nazis.

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