Verão angolano nas memórias feitas de pop e exotismo
Duo Ouro Negro. Deixaram Angola no início da Guerra Colonial para descobrirem na 'Metrópole' a chave do sucesso. Uma popularidade que deles fez estrelas internacionais, distantes de conflitos políticos e militares. A edição de uma nova compilação de sucessos recupera uma história guardada em arquivo
No próximo ano, o duo completaria 50 anos de actividade
O duo que chegou a ser trio, que teve nomes artísticos e revelou ícones pop ao Portugal colonialista e ao pós--revolução. Escolheram Ouro Negro como nome, agradando à Metrópole e defendendo as origens exóticas daquelas vozes. Em actividade permaneceram entre 1959 e 1985. Um primeiro final surgiu com a morte de Milo MacMahon. A despedida derra- deira fez-se em 2006, com o desaparecimento de Raul Indipwo. Duo Ouro Negro é agora título de disco editado em jeito de memória. Arquivos feitos de Verão angolano, numa históriaque está prestes a fazer 50 anos.
Em Fevereiro de 1974, numa entrevista à revista Flama, Milo MacMahon justificava a ausência dos palcos portugueses: "Quais são os artistas portugueses que têm actuado aqui? Mais não resta do que esperar pelo Verão para ir a feiras, festas na província ou casinos. Fora isto, está condenado a uma carreira internacional." Aqueles eram já tempos de recolha de glórias, com Portugal a representar pouco mais que um regresso a casa, entre viagens pela Europa e américas. Herdeiros da tradição angolana, Indipwo e MacMahon foram observadores da ordem que governava a música pop na década de 60. Escreveram folclore para públicos urbanos e adaptaram os Beatles e Amália Rodrigues. Foram do Olympia ao Carnegie Hall, começando num palco de Luanda.
Foram baptizados em Vila Carmona, em 1959, e no mesmo ano foram recrutados por Ribeiro Belga (nome grande da indústria do cinema). Já em Lisboa, o Cinema Roma e o Casino Estoril foram os primeiros palcos, antes da gravação de três discos que antecederam o regresso a Angola, pouco antes do início da guerra colonial, em 1961. A aclamação dedicada aos que eram já estrelas: caso efémero para uns, outros escusavam comentários. E enquanto se jogavam análises, Raul Indipwo e Milo MacMahon estavam já entre Espanha, França, Suécia e Finlândia. Estes eram ídolos nos festivais brasileiros e na Eurovisão, protagonistas de produções televisivas pioneiras - como a opereta Rua d'Eliza, que a RTP exibiu em 1968. E tudo isto com os mesmos angolanos que por Paris deixaram boémios a dançar a kwela como se aquele fosse o novo twist. Durante a guerra fixaram-se em Portugal e foram por muito associados ao regime, acusados mesmo de distanciamento das suas raízes africanas em favor de um maior mediatismo. Mais tarde Raul Indipwo seria mesmo associado ao MPLA e às políticas de José Eduardo dos Santos.
Estiveram em 37 estados americanos e há mesmo quem assegure que o Duo Ouro Negro só não passou por meia dúzia de países em todo o mundo. Construíram uma personalidade que escapou ao "produto do imperialismo português" e encontraram, depois de 1974, o espaço necessário para uma maior liberdade criativa. Esquecida a inquietude juvenil, Raul e Milo encontraram novos amores. Numa vida paralela, o primeiro fez-se pintor e o segundo administrador de uma empresa mineira. Sem nunca se tornarem anónimos, retiraram-se apenas quando o final do duo foi inevitável. Raul Indipwo manteve uma carreira a solo até à criação da Fundação Ouro Negro, em 2000.