Na passada quinta-feira, em Los Angeles, na vasta zona de lazer dos estúdios Universal (CityWalk), abriu mais um multiplex de 18 salas. A notícia não gerou grandes manchetes, nem mesmo nos EUA, mas envolve um fundamental valor simbólico..Assim, um dos mais lendários estúdios do cinema americano apostou não apenas na sofisticação das novas tecnologias (projeção laser, som Dolby Atmos, etc.), mas também na criação de uma ambiência equivalente à das célebres salas privadas dos produtores de Hollywood, com os seus cadeirões recostáveis e um controlo absoluto da escuridão necessária para uma impecável projeção. Não por acaso, tais salas têm surgido frequentemente figuradas em notáveis filmes sobre os bastidores do cinema, desde Cativos do Mal (Vincente Minnelli, 1952) a O Aviador (Martin Scorsese, 2004)..A confirmar a importância do evento, a inauguração contou com a presença de Karen Irwin, presidente dos estúdios Universal, e Ron Meyer, vice-presidente da NBCUniversal. Mais ainda: a acompanhá-los estavam personalidades do setor criativo como Jordan Peele, realizador do excelente filme de terror Foge (estreia a 4 de maio nas salas portuguesas), e também, figura simbólica entre todas, Steven Spielberg..Spielberg é alguém que não pode deixar de associar as raízes do seu sucesso a modos de consumo em que os ecrãs das salas escuras, muito mais do que os circuitos alternativos (DVD, Blu-ray, streaming, etc.), ocupam um lugar central. O impacto de títulos emblemáticos como Tubarão (1975), Encontros Imediatos do Terceiro Grau (1977) ou Os Salteadores da Arca Perdida (1981) é indissociável de uma época em que o acesso aos filmes - e, inevitavelmente, o seu apelo mitológico - passava apenas pelos rituais específicos das salas. Hoje em dia, o consumidor que contempla o Indiana Jones de Harrison Ford no ecrã do seu computador não sabe (ou não quer saber) o que está, objetivamente, a perder..Preconceitos enraizados no tecido cultural tendem a proclamar que questões deste género não passam de especulações nascidas no espaço da "crítica". Na verdade, como se prova, a (re)valorização das salas é um tema inerente a todos os contextos de produção e difusão, a começar por Hollywood. Não se trata de demonizar os circuitos alternativos de acesso aos filmes (incluindo, claro, os que passam pela internet). Trata-se, tão-só, de lembrar que o cinema não pode viver sem cuidar dos seus lugares originais. Antes de ser um problema de linguagens, esse é um drama visceralmente comercial.