Venezuela. Será que ainda existem os Magalhães?

Mala de viagem (190). Um retrato muito pessoal da Venezuela.
Publicado a
Atualizado a

Esta história conta a viagem de Magalhães, não o navegador, mas o computador socrático português. Em 2011, anunciava-se que Portugal iria dar o passo decisivo para a transferência de tecnologia de computadores portáteis para a Venezuela, sendo que o país recetor procederia à montagem local dos aparelhos e à distribuição pelas escolas. Portugal descobria assim uma espécie de troca com o país que tem na sua população cerca de meio milhão de portugueses e luso-descendentes. A questão estava em saber qual a troca, mas isso são contas de outro rosário. O projeto de educação venezuelano denominava-se Canaima, que substituía localmente a designação portuguesa de Magalhães. Logo aí começava mal a troca, pois seria da maior importância que o nome do navegador permanecesse, como promoção de Portugal junto do povo venezuelano, reforçando o ato cultural. Falou-se num milhão de computadores portáteis, mas os dados finais referem mais de três milhões. O incremento do Programa Canaima Educativo, em aliança com Portugal, contribuiu para o desenvolvimento industrial da Venezuela e permitiu iniciar a instalação de fábricas para a produção nacional de computadores, além de componentes e peças. O programa começou com 350 mil computadores adquiridos a Portugal, ao abrigo de um acordo assinado em 2008, para os quais, em 2010, a estatal Telecom Venezuela começou a formar venezuelanos para o fabrico nacional. Em 2011, entrou em operações a linha de produção e nesse mesmo ano foi criada, por iniciativa do presidente de então, Hugo Chávez, a Indústrias Canaima, uma empresa estatal. Em Portugal, a ideia era que estávamos perante um projeto de sucesso. Porém, estudos recentes revelam que foi um fracasso, pois o pequeno portátil foi pouco utilizado em tempo de aula, sendo maioritariamente feito de forma autónoma e intuitiva, havendo dificuldades de manutenção por desconhecimento de alunos e docentes. A relação entre Portugal e a Venezuela, neste período, traz memórias do tempo de José Sócrates e de Hugo Chávez. Foi uma relação "de vento em popa", um vendedor, outro comprador. A realidade é que foram de Portugal os computadores, enquanto se registava o fluxo inverso de luso-venezuelanos, por questões relacionadas com a insegurança e a instabilidade que se vive na Venezuela. Afinal, de que lado está o vento, de popa ou de proa?

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt