780 automóveis estiveram em leilão na terça-feira ."A vossa atenção. Está em praça" o veículo tal por tantos mil euros. Invariavelmente, é assim que começam quase todas as licitações. Na terça-feira, a frase fez-se ouvir mais de 700 vezes, com a respectiva referência ao modelo do veículo, base de licitação, vendedor, problemas detectados (se existir). Ainda a referência se o IVA está discriminado. Tudo dito em segundos, em voz audível, para uma audiência cheia. Entraram no pavilhão da Manheim, no MARL, mais de 600 potenciais compradores.."Alguns só cá vêm ver os preços", diz um dos trabalhadores no recinto. No palanque, o pregoeiro continua: "Há mais alguém com interesse?" Ou "retirado por falta de lances". Mas muitas vezes fez soar o martelo. Significado? O veículo foi vendido. Outros ficaram apenas com comprador provisório, a aguardar instruções do vendedor. O que se verifica quando o preço acordado fica abaixo do valor de reserva proposto pelo vendedor. .Parece complicado, mas não é. O vendedor estabelece um preço de venda, a base de licitação é fixada pelo leiloeiro (por vezes de acordo com o vendedor), se houver lances acima da base, mas abaixo do valor da reserva, faz-se a venda provisória, para decisão do vendedor.."Este é um veículo para ganharem dinheiro", vão continuando os pregoeiros. É neles que muitas vezes reside o segredo da venda. Têm de sentir a audiência e puxar por ela. "Há muitos compradores que têm vergonha de fazer o primeiro lance, ou não fazem porque pensam que se não serve para os outros também não serve para mim", diz ao DN um dos pregoeiros. São quatro neste megaleilão. Nesses casos, há que jogar a cartada. O preço do carro vai baixando... "Estou a falar sozinho?" "Três mil euros... dois mil e novecentos euros... dois nove... dois mil e oitocentos...." Ninguém? "Está a andar para trás!", um alerta aos mais distraídos . Até que se levanta uma mão. A parada começa a subir. Uma mão aqui, outra depois, mais uma. Vendido. O martelo bate. Um veículo que parecia condenado a engrossar as fileiras dos próximos leilões acabou por ser vendido. A timidez foi vencida. O pregoeiro tem "de ter iniciativa e sensibilidade" e acaba por conhecer todos os trejeitos dos compradores. Hélder Alves explica: "Uns piscam o olho, outros levantam a mão, outros a caneta, outros mexem a cabeça para fazerem os seus lances". Ainda para mais num leilão destinado ao público profissional, em boa parte concorrentes. Não gostam que se saiba a que preço comprou. Passar despercebido nos leilões não é fácil. Os pregoeiros já sabem quais são os melhores clientes. O DN acabou por esbarrar num. António Ferreira, da Fornova. Veio do Porto para acompanhar o leilão e comprou vários. Ao DN, António Ferreira assumiu deslocar-se "de vez em quando" a leilões, "estão veículos que geralmente não se encontram noutros lados". O preço nos leilões é que, assegura, não é uma vantagem. "Estão inflacionados para a procura." A ideia não é partilhada por todos os compradores. Dinis Carvalho, que veio de Óbidos para o leilão, já tinha assinado cinco contratos de compra. Porquê vir aos leilões? "Bons preços e carros bons." Dinis Carvalho tem uma empresa de mecânica, reparação e venda. Os leilões, fechados aos compradores particulares, acabam por servir também para compras pessoais. Compras isoladas há muitas. A José Cardoso, de Torres Novas, bastou mostrar o cartão com o número que o identifica como licitador para ficar com novo carro. "Venho à procura de um modelo específico", disse ao DN. E levou-o..780 veículos usados em leilão. Os vendedores são principalmente gestoras de frotas, empresas com frota automóvel, bancos com veículos penhorados ou até particulares. Deste lado, dos vendedores, o particular já pode entrar. São poucos. John Bailey, presidente da Manheim Europe, garantiu ao DN já ter vendido um carro pessoal num leilão. "Foi um Mercedes e recebi um bom preço por ele." .O parque de usados em Portugal atinge 600 mil veículos, mas apenas 40 mil são vendidos em leilões. Embora este seja um canal em acelerado crescimento, garante Pedro de Almeida, administrador da SAG, empresa parceira da Manheim em Portugal. A joint-venture leiloa anualmente 11 mil veículos, a um preço médio de venda de 10 mil euros. "Interessante", assume Pedro de Almeida. Os vendedores e compradores pagam as comissões e é aqui que reside o negócio da leiloeira. O comprador tem uma taxa mais ou menos fixa (cerca de 180 a 190 euros), o vendedor é que tem um preço em função da quantidade. A Leaseplan, um dos maiores vendedores em leilões, acredita que vale a pena. Especialmente se tiver de escoar, como acontece, cerca de 500 carros por mês. Quando não consegue vender num leilão, o carro segue para outro. "Se tivermos uma grande quantidade de carros iguais para vender distribuímos ou exportamos", esclarece o director de operações Manuel Berger. Acaba por assumir que começam a fazer-se muitos leilões em Portugal. "Neste momento já se vive quase a falta de produto." O que parece difícil de acreditar, se olharmos para as filas de carros que aguardam chamamento..As partidas também se verificam. Um carro com falta de gasolina teve de aguardar nova oportunidade; outro passou acelerado à frente da audiência - foi retirado por ordem do fornecedor. Tudo se passa. Até candidatos apenas ao almoço que a Manheim oferece no dia da inauguração das instalações no MARL. Terça-feira é dia de leilão em São Julião do Tojal, nos outros dias a vida nesta unidade não pára. Preparam-se os carros para entrega e começam a chegar os veículos do próximo leilão. Enquanto isso, o pregoeiro continua a "cantiga", vai alternando com os colegas e bebendo água. A voz não pode falhar. Senão, falha também a venda e o martelo não bate.