Vêm do Nepal e Senegal para serem explorados no Alentejo

Nepaleses, senegaleses, paquistaneses e indianos foram detetados pela Guarda como vítimas de exploração laboral nos distritos de Portalegre e Beja. Eram obrigados ao furto
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A GNR abriu 54 processos por tráfico de seres humanos, cada um correspondendo a uma ou várias vítimas, no período de 1 de novembro até ao dia 31de janeiro de 2017. Durante este período, em que decorreu a operação "Campo Seguro" (de prevenção de furtos de produtos agrícolas), as vítimas de exploração laboral detetadas pela Guarda foram, sobretudo, nepaleses, senegaleses, paquistaneses e indianos, adiantou ao DN o major Paulo Poiares, da GNR. O perfil dos imigrantes explorados está a mudar: já não são apenas as redes do Leste europeu a introduzir pessoas nas propriedades agrícolas do Alentejo (ver entrevista).

"São situações de trabalho escravo para a apanha da azeitona mas em que as pessoas são também usadas para furtos de azeitona e de pinha. Nem têm a consciência de que estão a furtar", observa o oficial da GNR.

A informação sobre as 54 situações sinalizadas pela Guarda foi passada à Polícia Judiciária - que tem a competência de investigação do tráfico de seres humanos - e à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). "Também há portugueses envolvidos na contratação de mão de obra escrava no setor agrícola", adianta o major Paulo Poiares.

As nacionalidades dos explorados estão a mudar mas o esquema para cativar as vítimas continua a ser o clássico: são prometidas boas condições de trabalho e de vida que depois não vão ter qualquer correspondência com a realidade. "Os nossos militares encontraram casas onde viviam vários imigrantes, sem nenhumas condições de higiene ou de salubridade". Depois de sinalizados os casos, o objetivo da autoridade é retirar as vítimas da situação de exploração em que se encontram. "Entramos em contacto com a Polícia Judiciária e também com as autarquias. Por exemplo, há um contrato local de segurança do Ministério da Administração Interna com o concelho de Serpa no âmbito do qual se podem procurar soluções. É que muitas destas pessoas são criminosas porque andaram a furtar azeitona ou pinha, mas depois também são vítimas, porque foram forçadas a fazê-lo", salientou o oficial.

Grupos itinerantes de criminosos

Por trás das situações de exploração laboral nos distritos de Portalegre e de Beja estão "grupos itinerantes de criminosos, compostos por elementos do Leste europeu mas também da Índia" que se concentram nesta altura do ano no Alentejo, devido às colheitas sazonais. São grupos que andam dedicados ao tráfico de seres humanos e ao furto de azeitona e pinha em larga escala, porque são produtos valiosos no mercado. Aparentemente, os dois crimes (tráfico e furto) andam relacionados.

"Andamos a sinalizar situações de tráfico de pessoas na operação "Campo Seguro" desde há três anos. Temos detetado vários casos em flagrante delito", sublinhou o major Paulo Poiares.

Com os militares que estão no terreno, a GNR impediu o furto de 55 toneladas de azeitona, três vezes mais do que em 2016, e de 525 quilos de pinha mansa, mais de cinco vezes o valor de 2016. Mas houve menos crimes registados: 46 (menos 13 do que em 2016).

Entrevista

"São poucas as condenações"

Os dados disponíveis, de 2015, indicam que em Portugal foram sinalizados 193 casos suspeitos de vítimas de tráfico de seres humanos, na maioria por exploração laboral. Os dados de 2016, que ainda não estão consolidados, mostram essa mesma tendência?

Sim. Em Portugal, a forma de tráfico de seres humanos mais sinalizada continua a ser a exploração laboral. Ainda reportando ao relatório de 2015, dos 193 casos sinalizados foram confirmadas 30 vítimas. Isto porque depois da sinalização, entra a investigação e a recolha de prova e nem todos se conseguem confirmar.

Quais os principais entraves ao combate deste crime?

Estamos perante um fenómeno criminal particularmente dinâmico. Por exemplo, em 2015 o tráfico laboral na agricultura estava mais associado a romenos e os dados desta operação da GNR mostram já outras nacionalidades. É difícil traçar padrões ou tendências. Cada etapa - da sinalização, à investigação e recolha de prova, ao julgamento - tem a sua dificuldade inerente. São poucas as condenações em tribunal pelo crime de tráfico de seres humanos mas essa é uma dimensão que também é comum a outros países europeus.

As sinalizações destes casos que chegam ao OTSH vêm mais das polícias ou da comunidade?

A maior parte das sinalizações vem dos órgãos de polícia criminal (GNR, PSP, SEF, PJ) e também de organizações não governamentais (ONG). Nesta fase da sinalização temos procurado sensibilizar a comunidade com ações de formação, para que se aprenda a reconhecer o que é uma situação de tráfico ou exploração laboral.

Têm equipas distribuídas pelo país?

Temos cinco equipas multidisciplinares, distribuídas pelas regiões do país. Fazem um trabalho muito ativo no terreno, e estabelecem uma cooperação a nível formativo e de fiscalização no terreno com os órgãos de polícia criminal.

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