Vários tons de bolsonarismo
Os seis candidatos à presidência da República - Jair Bolsonaro, Lula da Silva, Ciro Gomes, Simone Tebet, Luiz Felipe D"Ávila e Soraya Thronicke - convidados pela Band para o debate do último domingo no Brasil, transmitido ao vivo em canais portugueses, têm algo em comum, além do sonho de subir a rampa do Planalto a 1 de janeiro de 2023. Nenhum deles, em 2018, votou em Fernando Haddad, o rival de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro, claro, porque votou em Bolsonaro.
Lula da Silva, que escolheu o seu antigo ministro da Educação para o suceder, porque, preso numa cela em Curitiba, perdeu o direito de votar.
Depois de ter votado, com certeza, em si mesmo na primeira volta, Ciro Gomes preferiu viajar para Paris na segunda a apoiar o presidenciável do PT contra o então favorito candidato de extrema-direita, numa atitude de neutralidade que o persegue até hoje entre eleitores de esquerda e centro-esquerda.
Luiz Felipe D"Ávila, por sua vez, como a esmagadora maioria dos neoliberais brasileiros, não se importou de votar num ex-militar e ex-deputado conservador, que viveu, pois, toda a vida nas mais estatistas das instituições, as Forças Armadas e o Congresso Nacional, a optar por Haddad, o perigoso bolchevista que defende taxar os lucros pornográficos, ainda não-tributados, dos multimilionários seus amigos.
A propósito, um irmão seu, Frederico D"Ávila, apresentou, na qualidade de deputado estadual paulista, projeto para homenagear Pinochet. E atacou a cúpula católica brasileira por um bispo ter dito "pátria amada e não pátria armada".
Outra apaixonada por porte de armas, Soraya Thronicke, não só se elegeu para o Senado pelo então partido do hoje presidente como se proclamava "a senadora de Bolsonaro". Só a partir de umas 100 mil mortes por covid (de um total de 682 mil no país), ela entendeu que o seu mentor não tinha condições para o cargo.
Em entrevista ao DN, em dezembro do ano passado, Simone Tebet, senadora do partido de Michel Temer, afirmou que "ninguém podia imaginar uma gestão tão ruim, nem que o presidente Bolsonaro se tornasse o pior presidente da história, ninguém imaginava que ele poderia namorar com o autoritarismo ou ameaçar as instituições democráticas e tentar mudar todo o pensamento de uma geração com o discurso de ódio contra as minorias".
Será mesmo que ninguém conseguiria imaginar que um deputado que em 30 anos aprovou dois projetos de lei poderia ser mau gestor? Será que ninguém conseguiria imaginar que um fã de torturadores, que teria, se mandasse, fuzilado Fernando Henrique Cardoso, namoraria com o autoritarismo? Será que ninguém conseguiria imaginar que um pai que preferia ter um filho morto num acidente a vê-lo casar-se com um homem ou que comparou negros a animais seria intolerante para com as minorias uma vez no poder?
Um dos dados mais decisivos para estas eleições da sondagem de junho do instituto Ipec (anterior Ibope) é que 53% dos eleitores de Bolsonaro na segunda volta de 2018 não estão dispostos a passar mais quatro anos num Bolsonaristão estúpido, insano e cruel.
Simone Tebet, Soraya Thronicke, Luiz Felipe D"Ávila e, em certa medida, o próprio Ciro Gomes, o omisso, fazem parte desse número - são, no fundo, ex-bolsonaristas de diferentes tonalidades. Coerentes neste período, só mesmo Lula e o próprio Bolsonaro.
Jornalista, correspondente em São Paulo