Vanessa Fernandes na idade da prata
Pequim 2008. A primeira medalha portuguesa nestes Jogos Olímpicos chegou, enfim, ao 10.º dia de competições. E foi parar ao peito de Vanessa Fernandes, uma das grandes esperanças de Portugal. Não foi o ouro, mas a triatleta é vice-campeã olímpica aos 22 anos
Há oito anos, Vanessa Fernandes fez a sua primeira prova internacional. Ontem, ganhou uma medalha de prata nos Jogos Olímpicos. Há oito anos, tinha outra atleta portuguesa consigo e uma delas esqueceu-se dos ténis. Ontem, sentiu-se "sozinha" quando foi preciso controlar as adversárias no ciclismo. Há oito anos, como só havia um par de ténis, calçou um pé e pedalou e correu o resto da prova com o outro descalço. Ontem, não houve bolhas nos pés, mas o espírito de sacrifício voltou a ser decisivo para o êxito olímpico. "Não me senti nada bem nas primeiras voltas de corrida e cheguei a pensar que não chegava ao pódio", confessou Vanessa Fernandes.
Os treinadores, Sérgio Santos e António Jourdan, pensaram o mesmo. E, por isso, aconselharam-na a não acompanhar a vencedora Emma Snowsill quando esta deu o esticão que lhe garantiu o ouro. "A Vanessa tinha capacidade para a acompanhar, mas o risco era não aguentar o ritmo e perder a gestão do seu desgaste, o que lhe poderia custar um atraso fatal para chegar ao pódio", explica Sérgio Santos. A idade da nova vice-campeã olímpica foi determinante neste opção. "Se ela tivesse 26 ou 28 anos, teríamos arriscado mais. Mas tem apenas 22 e podendo levar a prata, evitando o risco de não levar nada, não fazia sentido outra opção", acrescenta António Jourdan.
A prova foi decidida na transição do ciclismo para a corrida. Vanessa Fernandes e Emma Snowsill chegaram coladas, mas assim que pôs os pés no chão a australiana disparou. Só quando a viu ir embora, Vanessa começou a conformar-se sobre a sensação que tivera antes de entrar na água: "Acreditava no pódio, mas sentia que ainda era cedo para o ouro."
O pai, Venceslau Fernandes, bem gritou das bancadas para a filha atacar no ciclismo, só que ela, embora lhe tenha acenado com a cabeça afirmativamente, manteve-se fiel à estratégia definida pelos seus treinadores. O vencedor da Volta a Portugal 1984 não levou a mal. Sabe bem o que custa pedalar. A ansiedade levantara-o da cama às 05h00 e só uma corrida até ao lugar da prova, onde horas depois a filha ia competir, o reequilibrou. Uma certeza tinha - a de que a bicicleta estava afinada para qualquer esforço -, pois é ele o único mecânico das da Vanessa Fernandes. "Ninguém mais lhes toca", diz, orgulhoso. A de ontem já tem o destino traçado, a nova sala de trofeus que o antigo ciclista vai construir em casa. Mas isto apenas porque a filha não aceita vendê-la, porque ele estaria disposto a cedê-la a troco de 50 mil euros (quatro vezes o valor de mercado da bicicleta, que é de 12 500?).
Vanessa Fernandes não madrugou tanto como o pai, mas levantou-se igualmente muito cedo. Faltavam 20 minutos para as 06.00, hora em que partiu para uma última corrida com os treinadores. Seguiu-se o pequeno-almoço preferido (Nestum com água e chá) e um adeus final ao quarto, ao qual sabia que voltaria já diferente. E para sempre, como há quatro anos, quando o oitavo lugar de Atenas lhe mudou a vida. "Esta medalha começou aí, porque só nessa altura decidi que queria levar o triatlo à sério", recorda.
Para a mãe, Hermínia Fernandes, no entanto, o sacrifício da alta competição começara muito antes, quando aos 15 anos a filha trocou o lar familiar pelo centro de alto rendimento do Jamor. Ontem, assistiu pela primeira vez a uma prova ao vivo, embora grande parte do tempo a emoção a tenha obrigado a virar costas à competição. "Não aguento vê-la sofrer", desabafa, recordando tudo o que chorou quando viu uma atleta no chão e pensou que era Vanessa Fernandes: "Só fiquei descansada quando a vi ir para a meta sozinha, concretizar o sonho de ganhar uma medalha olímpica."
Os portugueses sonhavam com o ouro e Vanessa Fernandes, lá bem no fundo, também. Mas nem isso tira brilho à prata: "Para mim, vale ouro!"|