Vamos contar ameixas

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Há dias, abri a gaveta onde arrefecem notas soltas para futuras provocações maradas aos meus netos e encontrei duas ou três fabulações coxas à espera de melhores dias. Uma delas ensaiava a história do orangotango Tango, que foi dançar milongas com a cabrinha serrana. Duas estrofes adiante, a cabrinha já rimava com chanfana. Cuidei que seria receita indigesta para miúdos com uma dieta alimentar saudável, ficou na gaveta até que eles cresçam. Outra prosa respondia ao problema matemático que fora colocado na escola a uma tal Inês, colega do Pedro. "Quem conta um conto", alvitrei, "acrescenta um ponto. E quem conta ameixas? Se de duas tira uma, quantas deixa? Distraiu-se Inês e perdeu uma? De que se queixa?" A lengalenga vai cautelosa, como se aconselha, pois, como avisava o O"Neill, "p"ró intestino a ameixa é levada da breca".

Vai, pois, a lengalenga em frases curtas, interrogações cadenciadas. Quantas ameixas temos de somar para fazer um pomar? E se a semente germinar, quantas ameixas vai multiplicar? E enlaça os números, primos, imaginários, perfeitos. Números perfeitos, avô? Cá está a deixa para me socorrer dos manuais euclidianos: os números perfeitos são aqueles para os quais a soma de todos os divisores positivos próprios é igual ao próprio número. Quem sabe, talvez haja números perfeitos contados em ameixas. Nesse caso, Inês poderia distrair-se na aula sem se importar com a possibilidade de, havendo duas ameixas, tirarem uma. Se houvesse no prato duas ameixas e a professora tirasse uma enquanto Inês olhasse para nenhures, ficariam sempre, na mesa ou no prato, duas ameixas. E isso, ainda que complicasse os cálculos matemáticos, salvaguardaria a sobremesa de Inês. O que não é de somenos. Por algum motivo, o grande Paulo Leminski colheu da árvore um haiku de três versos implacáveis: "Ameixas/ame-as/ou deixe-as."

Vamos contar ameixas pelos dedos? Há quem conte carneiros para chamar o sono, mas é um erro. Cientistas de Oxford recomendaram há tempos que não contássemos carneiros quando o sono demora, pois isso "esvazia" o cérebro. O segredo para chamar o sono é ocupar o cérebro. Os cientistas de Oxford aconselham os insones a pensarem em paisagens suaves, belos campos verdes. Quando a conversa vier a propósito, aconselharei os meus netos a chamarem o sono pensando em ameixoeiras carregadas de números maduros.

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