Vamos beber mais, mas há novos bares "zero álcool"
No balcão do Getaway, na Green Street, em Brooklin, as conversas podem não ter a densidade que levava o jornalista e escritor Gay Talese a preferir, como fontes, os barmen aos políticos. As memórias, de qualquer "homem gasto pelo trabalho" - nas palavras de Baudelaire, autor de A Flores do Mal -, terão de ser soltas com cocktails enigmáticos, como o That"s Just My Face (manga, puré de jalapeño, lima, tónico de flor de sabugueiro, sésamo).
O objetivo não é moralizar, explicam os donos deste bar de Nova Iorque, Sam Thonis e Regina Dellea, numa reportagem da BBC: "Nada no nosso espaço diz que se deve estar sóbrio, ou que não devias ir a um bar ali à esquina beber um shot de tequila depois de teres estado aqui."
A razão para estes bares "0%" se tornarem populares é outra. São um nicho de mercado. Várias pessoas que, ora por serem abstémias, ora por quererem passar uma noite num bar mas não serem tentadas a beber álcool, não dispunham de qualquer oferta para sair à noite.
Isto é, o Getaway, como outros bares deste tipo em Londres, Dublin e nos EUA, apenas quer replicar o conceito de bar - um sítio onde se convive, conversa - e retirar do menu a oferta alcoólica. "Não havia muitas opções na vida noturna em Nova Iorque que não oferecessem álcool", explica Thonis. "Quanto mais falava com pessoas, algumas delas sóbrias e outras não, mais sentia que as pessoas queriam este tipo de espaço."
Este nem sequer é um tipo novo de bar. Nos países com grandes comunidades islâmicas eles são frequentes, e na Europa e nos EUA foram também sítios importantes no final do século XIX, quando o movimento da "temperança" procurou defender a regulação do consumo do álcool.
Há poucos temas mais complexos e com grande impacto social, na história política da Europa e dos EUA, como este. Isso é, aliás, visível no novo documentário Proibição, do realizador americano Ken Burns (autor do premiado documentário A Guerra do Vietname), disponível na Netflix. Ali é retratada toda a influência política e social que o debate sobre o consumo de álcool teve, e ainda tem, na sociedade americana.
Um exemplo da atualidade do tema é um artigo, publicado na terça-feira na revista científica The Lancet(link fechado, para assinantes), que prevê um aumento rápido do consumo de álcool na próxima década.
Segundo o estudo, até 2030, em média, um cidadão com mais de 15 anos de idade vai beber, em 2030, uma média de 1,2 bebidas por dia. Em 2019, a média do consumo é de 1,05 bebidas por dia. Até 2030, cada adulto beberá 6,5 litros de álcool puro, anualmente.
O estudo baseia-se em dados da Organização Mundial da Saúde sobre as taxas de consumo per capita de 176 países (entre 1990 e 2016). Os autores deste artigo - da Universidade de Tecnologia de Dresden, na Alemanha, da Organização Mundial da Saúde e da Universidade de Toronto - preveem taxas de consumo de álcool até 2030, usando tendências anteriores e dados do crescimento populacional futuro, incluindo a contabilização das proporções de cada país que é muçulmano e não bebe. O crescimento económico em países muito populosos, como a China e a Índia, também terá um papel neste crescimento anunciado: Prevê-se que 50% das pessoas com mais de 15 anos bebam em 2030, em comparação com cerca de 47% atualmente.