Valentim Alexandre: abrangente viagem ao Portugal colonial
Acolonização portuguesa é uma história que os portugueses quase desconhecem. O novo trabalho do investigador Valentim Alexandre vem, finalmente, permitir que se faça uma viagem abrangente a esse passado, sem complexos e com a sua habitual clareza de explicações. São mais de 800 páginas que a historiam desde cedo e, principalmente, o período mais recente de 1945 a 1960. Com um título opinativo, Contra o Vento, e um subtítulo a dizer ao que se vai, Portugal, o Império e a Maré Anticolonial, pode-se perceber o que antecedeu na fase terminal desse império. Seja pela divulgação de uma premissa a que não se liga muito, a de a colonização de Angola e Moçambique ser na sua maior parte feita desde cedo apenas em alguns poucos pontos do litoral, deixando o interior dessas nações atuais ao completo abandono, só realizado já no século XIX por expedições de aventureiros como Serpa Pinto e de Capelo e Ivens, no seguimento de iguais expedições de Livingstone, Stanley e Cameron, a soldo dos países financiadores desejosos de ocuparem tais territórios sem dono.
Esse passado, no entanto, de pouco interessa a este estudo, centrado entre o pós-Segunda Guerra Mundial e o período bipolar da Guerra Fria. A época em que uma nova (re)organização do mundo se impôs e a realidade geopolítica se alterou, designadamente com a profusa e encadeada sucessão de independências das ex-colónias em todo o continente africano. À página 361, Valentim Alexandre dá início a esse fixar dos ventos de mudança provocado pelo afro-asiatismo independentista que se tornou visível com a Conferência de Bandung (1955). O caso inglês serve de introdução à revolução que nesta década se verificará, sucedendo--se a análise do caso francês e belga, após o que parte para a preocupação portuguesa sobre "o nascimento de um sentimento de inquietação tenaz que desde há um tempo ganhou os meios governamentais de Lisboa" no que respeita aos seus territórios africanos, segundo as anotações de Salazar, que manifestavam essa "perturbação" no que respeita ao "mundo português". Relata neste capítulo a mobilização da opinião pública nacional contra os perigos que ameaçavam o Império, como é o caso das decisões contrárias na ONU a par da defesa de teorias luso tropicalistas, da integração europeia e o "espaço económico português", tudo isto em nome da pax lusitana que parecia ameaçada e cujos sinais de alarme são demasiado visíveis (página 467).
O investigador recorre ao Arquivo Salazar para exemplificar a pressão crescente nas zonas de fronteira entre Angola, Guiné e Moçambique, fazendo um relato exaustivo das movimentações independentistas nessa década, designadamente nos anos 1959--1960, momento em que, refere, Franco Nogueira alertava para a "erosão dos apoios a Portugal na ONU". Mesmo que o presidente dos EUA, Eisenhower, fosse protelando atitudes e apenas manifestasse a Salazar sinais de uma mudança exigida, ou as críticas do Vaticano que colocavam em xeque a hierarquia religiosa portuguesa afinada com a política colonial.
Além da história das províncias africanas, há interessantes capítulos sobre Goa - o primeiro epicentro do terramoto que se seguiria -, bem como Macau e Timor, antes de se chegar ao capítulo com a conclusão, uma espécie de ultimato explicativo do processo histórico que nunca se interrompe. O espesso volume, contudo, foge à pequena ação e prefere focar-se na análise macro da situação desesperada que Portugal enfrentava para manter o império. Opção que exigirá mais aos leitores para a compreensão do processo que atravessa uma década e meia, mesmo que se beneficie de uma vasta apreensão da hábil atuação diplomática em curso para protelar o desfecho.
Contra o Vento
Valentim Alexandre
Editora Temas e debates
840 páginas
PVP: 24,40 euros