Vala comum
O mediterrâneo é hoje uma imensa vala comum. O anonimato de quem ali morre já só engrossa números secos, avassaladores para as consciências que, nas duas margens, têm empurrado este drama para o lado. Salvo honrosas excepções, tem havido pouca coragem na Europa e no Norte de África para, numa primeira fase, acabar com os gangs da carnificina, numa segunda, juntar esforços no controlo das vagas migratórias clandestinas e, numa terceira, acolher humanamente quem puder. Hoje, 75% das mortes nas grandes rotas migratórias dão-se no Mediterrâneo. É preciso responder à emergência e trabalhar o longo prazo. Não se pode dizer que a UE não venha acompanhando a catástrofe ou apontando medidas. O problema, porém, tem sido duplo. Por um lado, passar do papel à prática e envolver mais Estados (com dinheiro e meios navais) numa geografia exótica à maioria deles, continua a ser o eterno desastre da política de vizinhança europeia. Não é possível deixar o fardo apenas à Itália, Espanha ou Grécia: é preciso que todos percebam que não há problemas "no sul" ou "a leste", mas comunitários. Quem tem liderado no umbigo financeiro da UE, deve também assumir nessas áreas uma influência decisiva e exigir o compromisso geral. Por outro lado, tudo isto é consequência directa da alienação estratégica que consumiu a Europa na última década. O debate financeiro abafou o resto, não se pensou nos efeitos da mudança de regime na Líbia ou na associação entre tribalismo armado e crime organizado, promotores destas redes de tráfico humano, da Síria à Nigéria. Não fomos capazes de reformar regimes sem os deitar abaixo, não fomos exigentes com o respeito pela dignidade humana, liberdades políticas, criação de emprego. Acomodámo-nos e ausentámo-nos de pensar fora da bolha. E sobretudo de agir a tempo e com tempo. Estamos a pagar por tudo isso.