Vacina contra a covid-19: uma obrigação coletiva solidária

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Quando perguntei ao marido, septuagenário, de uma minha doente, que havia rejeitado ser vacinado, o que é que o poderia fazer mudar de ideias, respondeu-me que não havia forma de isso acontecer. Não é para estas pessoas, que, por crença, dogma e/ou ideologia, recusam ser vacinadas, que escrevo este artigo, mas sim para quem está, de espírito aberto, a procurar decidir, sem informação capaz para o fazer.

Não é de mais lembrar que foram as vacinas que erradicaram a varíola - doença que matava mais de um terço dos infetados -, tornaram a poliomielite (paralisia infantil) residual, controlaram, entre outras, a tuberculose, o sarampo, o tétano, a difteria, a tosse convulsa e a gripe. Hoje, previnem algumas formas de cancro, por evitarem as infeções pelos vírus da hepatite B e do papiloma humano. No seu conjunto, em cada ano, as vacinas salvam mais de 2,5 milhões de vidas.

As evidências a favor da vacinação são de tal forma gigantescas, comparadas com os titubeantes argumentos contra, que dificilmente alguém, devidamente esclarecido, pode recusar o seu efeito benéfico, preferindo arriscar a morbilidade, a incapacidade e a mortalidade associadas às doenças que elas previnem.

Todas as vacinas têm potenciais efeitos acessórios, em geral ligeiros e transitórios, como os têm todos os fármacos, as viagens de automóvel, o exercício de qualquer profissão e a vida em geral. É que nada é 100% seguro.

As vacinas contra a covid-19 foram desenvolvidas mais rapidamente porque não lhes faltou todo o financiamento necessário, grande número de voluntários para os ensaios clínicos, importante transferência tecnológica e, por fim, a fortuna de serem eficazes.

A principal transferência tecnológica consistiu na utilização do ARN mensageiro, que, como o nome indica, substituindo o vírus atenuado ou uma das suas porções, carrega instruções para as células do nosso organismo produzirem determinadas proteínas do vírus, que são estímulos antigénicos, isto é, provocam a produção dos anticorpos que destruirão o vírus. Assim, estas vacinas, tal como as que utilizam o método tradicional, não podem, pura e simplesmente, alterar o nosso ADN porque, em todo o processo, nem sequer o contactam.

As vacinas não contêm vírus inteiros, pelo que não podem causar infeção. Por isso, são seguras. Os efeitos indesejáveis são raros, maioritariamente fugazes e causados pelo início da resposta orgânica que irá conferir a desejada imunidade. Assim, a maioria dos "efeitos secundários" com que as procuram relacionar - apenas porque ocorrem dias ou semanas após a sua aplicação - não são, de facto, causados pela vacina.

A vacinação é, não só o único modo individual seguro para não contrair a covid-19, pelo menos nas suas formas mais graves e mortais, mas também a estratégia que pode evitar a disseminação da infeção, obviando, assim, uma inevitável pletora dos serviços de saúde e a consequente crise socioeconómica. Protegendo-nos da covid-19, estamos a proteger todos aqueles com quem convivemos ou nos cruzamos.

A vacinação configura mais do que um ato racional de proteção pessoal. É, sobretudo, uma obrigação coletiva solidária. A preocupação humana com cada um dos que nos rodeiam e o compromisso social com os nossos semelhantes são a chave para o sucesso da vida em comunidade. A vacinação contra a covid-19 é hoje, provavelmente, a melhor forma de o assegurar.

Diretor do Serviço de Reumatologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE - Hospital de Egas Moniz

Professor catedrático e diretor da NOVA Medical School | Faculdade de Ciências Médicas da Universidade NOVA de Lisboa

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