V – O rei de Castela e a Independência de Portugal

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Logo que a tampa caiu sobre o caixão do defunto, rebentou a revolução". Assim escreveu o historiador Oliveira Martins na sua História de Portugal, (Guimarães & C.ª Editores, p. 10), contudo não foi bem desta maneira que tudo aconteceu porquanto, após a morte do rei D. Fernando, que enlutou o país deixando a sorte de Portugal independente em suspenso por causa da sucessão do falecido, primeiro agudizou-se ainda mais o desassossego geral, com os mais destacados protagonistas a marcarem as suas posições no tabuleiro de xadrez do trono real, depois seguiu-se a fase de revolta, que depressa se transformará em rebelião para vir a descambar em revolução.

Por mais que se condene o comportamento da rainha D. Leonor e se saiba ter sido odiada pelo povo, contrariamente ao que se dizia entre os seus detractores, as primeiras medidas por ela tomadas não indicam que pretendesse entregar o trono a seu genro.

Desejava, essencialmente, que a sua filha D. Beatriz fosse aclamada rainha de Portugal e ela, como Governadora, poder governar sozinha o país, como aliás já o fazia com apoio ou tolerância do finado monarca.

Apesar do infante D. João ter participado por Castela, durante vinte e cinco dias no cerco de Elvas, e se ter oferecido para vir, voluntariamente, a Lisboa na frota castelhana, depois da derrota portuguesa na batalha de Saltes, convencido como estava de que os lisboetas lhe entregariam a cidade, o que não se verificou, o certo é que continuava a ser apontado como um dos mais sérios candidatos ao trono português, deixando em segundo plano o seu irmão mais novo, o infante D. Dinis, ambos filhos do rei D. Pedro I e de D. Inês de Castro.

Por mais inverosímil e inacreditável que possa parecer, a fazer fé no testemunho do cronista Pero Lopez de Ayala, o rei castelhano terá recebido cartas de importantes figuras portuguesas convidando-o a entrar no país para tomar o reino de Portugal, onde lhe diziam que o trono pertencia de direito à rainha D. Beatriz, sendo D. João, Mestre de Avis, o primeiro a escrever-lhe nesse sentido (Crónica del Rey D. Juan, primero de Castilla é de Leon, Biblioteca de Autores Españoles, tomo 68, cap. VII, p. 83).
Analisando as mais diversas movimentações que então se fizeram sentir, constata-se que o país estava ansioso e em expectativa, aguardando com medo a reacção do poderoso monarca vizinho.

Conhecedor da difícil situação económica e político-social vivida em Portugal, o precavido rei D. João I de Castela, procurando salvaguardar-se de surpresas desagradáveis, por estar receoso de poderem vir a assumir a candidatura ao trono português, de forma aberta ou encapotada, os presumíveis pretendentes que viviam no seu país, guiado pelo principal objectivo que pretendia alcançar, em primeiro lugar toma duas medidas preventivas e depois reúne o Conselho em Póvoa-de-Monte-Alvão.
Segundo Ayala, manda prender o infante D. João, dizendo-lhe que o fazia não por ter praticado quaisquer actos contra o seu serviço, mas por recear de alguns portugueses que pretendiam aclamá-lo rei de Portugal, antes que D. Beatriz tomasse posse do reino.

Procede do mesmo modo com o seu irmão, conde D. Afonso, casado com D. Isabel, filha bastarda do rei D. Fernando, acusando-o de ter escrito cartas para Portugal contra o seu serviço, motivo pelo qual confisca todos os seus bens, apesar de ter negado e declarado inocência, e reverte-os para a coroa.
Resolvido esse problema, que eventualmente poderia surgir, como queria assenhorear-se de Portugal, naquela prolongada reunião do Conselho, que durou vários dias, em vez de perguntar aos seus conselheiros se era legítimo entrar no país vizinho ou não, quis ser elucidado sobre qual seria a melhor forma de fazê-lo: se com um exército poderoso ou de qualquer outra maneira.

De acordo com o texto do cronista castelhano, pode-se inferir que ele não intentava cumprir o Tratado mas pretendia ser rei de Portugal, a todo o custo, independentemente da opinião dos seus conselheiros ou da vontade dos portugueses.

Nesse decisivo Conselho sobressaíram duas opiniões diferentes:

Como os moderados eram favoráveis à observância escrupulosa do Tratado de Salvaterra de Magos, aconselhavam o monarca a comunicar às autoridades portuguesas que garantia o cumprimento integral do Tratado, daí desaconselharem a entrada em força no território português pois, se o fizesse, diziam, não só quebraria o juramento como iria provocar danos na terra, por necessitar de alimentar o exército, levando a população a odiar os castelhanos.

Mas como também era muito perigoso fazê-lo com poucos homens, o melhor seria ir a Salamanca e dali enviar os seus embaixadores a Portugal a fim de indagar se, salvaguardando o seu serviço e o seu direito, porventura os portugueses desejavam fazer quaisquer alterações ao Tratado, escolhendo outro regedor ou regedores. Aconselhavam também a tratar muito bem os representantes portugueses se, porventura, apresentassem novas propostas.

Aqueles que pretendiam agradar à vontade real aconselhavam-no a fazer letra morta do Tratado, independentemente das suas cláusulas, juramentos e penas aplicáveis por incumprimento, dizendo-lhe que devia entrar poderosamente em Portugal por não ser obrigado a cumpri-lo, por haver sido efectuado contra a sua honra e seu direito.

Daí que o melhor seria entrar de surpresa e assenhorear-se de Portugal, que lhe pertencia de direito e se, porventura, os portugueses desejassem fazer alguma alteração, que o fizessem estando ele no interior do país vizinho.

Os moderados contra-argumentavam replicando que não se podia afirmar que o tratado prejudicava o rei, porque o juramento por ele efectuado, em Badajoz, fora feito depois de o texto ter sido aprovado pelos seus conselheiros mais esclarecidos, após minucioso exame efectivado, com o máximo cuidado e rigor, de todas as cláusulas em conjunto e de cada uma delas em particular. Caso não fosse cumprido, eles seriam acusados de perjuros e sujeitos às inerentes penas.

Apesar de estar desejoso de entrar em Portugal, contudo as dúvidas continuavam a persistir no seu espírito deixando-o indeciso. Elas vão ser desfeitas quando o bispo da cidade de Guarda, D. Afonso Correia, que era chanceler da rainha D. Beatriz, lhe ofereceu a cidade garantindo-lhe que os habitantes citadinos obedeceriam a seu mandato por serem seus criados. Acrescentou ainda que, caso o casal real desejasse entrar na cidade, ele prepará-la-ia para o receber.

Chegados a esse momento decisivo para a existência de Portugal como país independente, a pergunta que fica em aberto é a seguinte:

Se o rei de Castela invadir Portugal, quebrando o Tratado de Salvaterra de Magos, será que a rainha D. Leonor, enquanto Governadora de Portugal, irá opor-se-lhe enfrentando militarmente o seu genro?


Historiador
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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