Usar e deitar fora
1. Usar e deitar fora. É o que estamos a sentir. No mundo e por cá. Usam-se pessoas e deitam-se fora. Usam-se bens e são abandonados. Por vezes através de interessantes, inovadoras e rápidas construções jurídicas. O tempo está, apenas, para aqueles e aquelas que só podem dizer que "sim". Por necessidade e por utilidade pessoal. Não está para aqueles que têm a liberdade ou a ousadia para dizer que "não". Por isso há tempos de transição e momentos de rutura. Que se sentem no ar e que brotam de múltiplos espíritos. É que, como escreveu Herbert Spencer, "a cultura do espírito aumenta os sentimentos de dignidade e de independência".
2. Sejamos diretos. Vamos viver um setembro quente. Quente na temperatura e quente, principalmente, no conjunto de atos e factos que vão acontecer. Do lado de cá do Guadiana, nas fronteiras entre a Rússia e a Ucrânia, no espaço oriental do Mediterrâneo e para lá dos Pirenéus. E, aqui, e por razões bancárias e financeiras, importa acompanhar o que ocorrer, proximamente, nos âmbitos suíço e luxemburguês! É, assim, importante conhecer a história. Como escreveu Paul Valéry, "a história justifica tudo quando se quer. Ela não ensina rigorosamente nada, pois contém tudo e dá exemplos de tudo". E para alguns nada como, desde já, aconselhar a leitura, calma e ponderada, das Memórias de um importante chanceler da República Federal da Alemanha - dividida! -, Willy Brandt. Ele que também foi presidente da Câmara de Berlim, ministro dos Negócios Estrangeiros e recebeu o Nobel da Paz. E que foi ator de grandes momentos e acontecimentos da Europa depois de 1945. E as Memórias terminam com as suas reflexões no final de novembro de 1989 com um sugestivo título: "Nada será como antes". O Muro de Berlim deixara de ser, na sua cidade, um elemento de divisão. E, sim, um elo de união.
3. Compreender a Europa de hoje exige conhecer a história recente. O passado próximo. Seja na sua fronteira oriental seja nas relações como esse mar que junta algumas das religiões monoteístas mais significantes do mundo que é o Mediterrâneo. E onde se suscitam "novas cruzadas" contra "califados ressuscitados". Com efeito, e nas reflexões que esta semana arrancam nos espaços jovens dos principais partidos portugueses, há temas - como o da Europa , do conflito entre religiões e dos regressos do "sacrifício" e da "vingança"! - que não deixarão de ser suscitados e em relação aos quais os diferentes e notáveis intervenientes não deixarão em alguns casos de levar as suas "certezas" e outros de avançar com as suas angústias e perplexidades. E não será, apenas, em razão das novas personalidades que foram designadas no passado sábado pelo Chefe de Estado francês e pelos chefes de Governo do conjunto dos Estados membros da União Europeia para os lugares de presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, e da italiana Federica Mogherini como "ministra" dos Negócios Estrangeiros desta complexa União Europeia. Talvez fosse interessante deixar, aqui, um nota de leitura. Um livro de Jean-Claude Guillebaud, de 1999, com o sugestivo título: A Refundação do Mundo. E esta refundação mostra-nos sempre como se usam e deitam fora muitos homens. Ou mulheres. Sempre com a consciência de que os cemitérios estão cheios de pessoas insubstituíveis. Mas tendo sempre presente, lendo Miguel de Cervantes, no seu Dom Quixote, que "a história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro". História que se deve respeitar incluindo nos espaços verdes fronteiros ao Mosteiro dos Jerónimos, ou seja, nos brasões do jardim da Praça do Império em Belém! Como fosse, também, o caso de "usar e deitar fora"!