Urdangarin usou palácio real para fazer negócios
A infanta Cristina acreditava que não voltaria a sentar-se no banco dos réus, mas essa não foi a decisão das juízas de Palma de Maiorca. Ontem, às 08.50, chegou ao tribunal com o marido, Iñaki Urdangarin, para a declaração do primeiro arguido do processo de fraude fiscal. E ouviu José Luis Ballester, antigo diretor-geral de Desporto do governo das Baleares, dizer que o ex-duque de Palma chegou a negociar os contratos com o executivo das ilhas no Palácio de Marivent, residência de verão dos reis de Espanha.
Ballester, ex-campeão olímpico de Vela, assegurou que foi o antigo presidente do governo das Baleares Jaume Matas, entre 2003 e 2007, o responsável pela contratação do marido da infanta. "O objetivo era contratar Urdangarin e tudo o que vinha com ele, não tenho dúvida de que a ordem vinha de Matas", explicou. A contratação foi feita através da Fundação Illesport, da qual Ballester era um dos patronos, com o arguido a reconhecer que as atas das reuniões eram manipuladas.
A Illesport contratou o instituto Nóos, de Urdangarin e do sócio Diego Torres, para gerir o patrocínio de uma equipa de ciclismo, no valor de 18 milhões de euros, e para seguir o impacto mediático desse apoio, pelo qual cobrou 300 mil euros. Parte dessas negociações decorreram no Palácio de Marivent.
"Urdangarin telefonou-me várias vezes para exigir pagamentos", disse Ballester, que até então era amigo dos duques de Palma. "Não tinham realizado o trabalho, não existia o plano estratégico pelo qual pretendiam cobrar. Disse a Urdangarin que pagaria quando o trabalho estivesse feito." Mas Matas deu ordens para pagar: "Paga, a minha preocupação agora é ganhar as eleições", ordenou-lhe em 2007. O candidato do Partido Popular conseguiu mais votos, mas não foi capaz de formar governo e deixou a política.
Ballester, que falou durante duas horas e meia, decidiu colaborar com a justiça quando soube o que os outros arguidos tinham dito durante a fase de instrução: "Não tenho intenção de prejudicar ninguém, mas queria que se conhecesse a verdade." Não é o único a colaborar com a procuradoria, que diz, contudo, que não há pactos fechados, só negociações e acordos verbais para baixar as penas pedidas em troca da admissão de culpa.
Quem também deverá beneficiar é Matas, que terá negociado um acordo para admitir a responsabilidade dos factos e devolver o dinheiro. Matas deverá assumir a culpa pela contratação de Urdangarin, mas alegará que não conhecia o destino final do dinheiro e que se sente enganado pelo cunhado do rei - o instituto Nóos era uma associação sem fins lucrativos, mas segundo a acusação foi usada para desviar 6,5 milhões de euros para os bolsos de Urdangarin e do sócio.
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As audiências continuam hoje às 09.15, com a declaração de Gonzalo Bernal, ex-diretor da Fundação Illesport. Ao contrário do primeiro dia de julgamento, em janeiro, quando ficou em silêncio, desta vez a infanta Cristina falou com o arguido que se senta ao seu lado, o advogado Salvador Trinxet. A irmã de Felipe VI esperava não voltar ao banco dos réus, mas viu as juízas recusarem a aplicação da doutrina Botín - que diz que só a acusação popular, neste caso nas mãos do sindicato Mãos Limpas, é insuficiente nos casos que envolvem crimes fiscais.
De arguido a testemunha
A audiência começou com 18 arguidos nos bancos dos réus, mas um deles teve ordem para sair pouco depois. Miguel Tejeiro, cunhado de Diego Torres e secretário do Instituto Nóos, era acusado só pelo Mãos Limpas. O sindicato retirou a acusação, alegando "estratégia processual", pelo que Tejeiro passará assim a ser apenas testemunha.